O encontro do Papa com vítimas de abusos sexuais na Igreja portuguesa tinha sido anunciado, há já dois meses, pelo ainda bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, presidente da organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Mas não se sabia nem em quais dos dias da estadia de Francisco em Portugal isso aconteceria, nem o local e a hora, além do formato. Essa reunião acabou por acontecer logo no primeiro dia do Sumo Pontífice em Lisboa, esta quarta-feira, na Nunciatura Apostólica, e pouco tempo depois de ter pedido aos bispos portugueses uma outra forma de estar perante este problema, numa missa no Mosteiros dos Jerónimos.
Porém, ainda o Papa estaria no Centro Cultural de Belém (CCB), com as autoridades políticas e o corpo diplomático, ao final da manhã, quando os preparativos da reunião com as vítimas se começaram a desenrolar, tendo em conta que as 13 pessoas começaram por se juntar na Amadora, numa instituição religiosa – onde almoçaram e aguardaram durante a tarde.
Santo Padre manteve sempre nas vítimas os seus olhos, que baixava quando, em determinados momentos, as palavras eram mais tocantes
Rute Agulhas, responsável pelo Grupo Vita, que acompanha e apoia pessoas que foram alvo de abusos na Igreja
Só perto das 19 horas, quando terminou a homilia de Francisco, em Belém, é que foram levadas em carrinhas com vidros escurecidos até à Nunciatura. Foi já depois do encontro que a RTP deu conta da sua realização, levando a Santa Sé, e depois a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) a emitirem comunicados.
As vítimas foram acompanhadas pela psicóloga Rute Agulhas, coordenadora do Grupo VITA, além de duas outras técnicas desta entidade criada pela Igreja para o acompanhamento e apoio de quem foi alvo de abusos. Também estiveram presentes Paula Margarido, da Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, e Pedro Strecht, que coordenou a Comissão Independente, que, em fevereiro, estimou em 4800 o número de pessoas alvo deste flagelo.
Segundo Rute Agulhas, “o grupo que foi recebido pelo Santo Padre não poderia ser muito grande, dada a necessidade de privacidade em relação a este encontro e o tempo que havia para o fazer”. “Ainda assim, os cerca de 90 minutos, em que estivemos ali, foram os adequados, porque todas as vítimas tiveram a possibilidade de partilhar as suas histórias“, explicou, à VISÃO, a conhecida psicóloga, especialista em psicologia da Justiça.
O Papa Francisco estaria algo cansado, da pesada agenda do primeiro dia, em Portugal. Contudo, “não houve qualquer pressa em ouvir quem ali estava e ninguém se sentiu pressionado a acelerar na descrição das suas histórias, já que a disponibilidade de quem as estavas a ouvir era enorme”. “Algumas vitimas fizeram referência que a Igreja Católica ainda não tinha dado os passos para que elas pudessem ser ouvidas”, contou Rute Agulhas, que revelou que o Papa mostrou “uma enorme capacidade de acolhimento”. “Não conheço os sinais não verbais do Santo Padre, mas manteve sempre nas vítimas os seus olhos, que baixava quando, em determinados momentos, as palavras eram mais tocantes”.
No final, o Papa “pediu perdão, com vergonha, e pediu que tentássemos não silenciar os danos causados a estas pessoas”.
Tratou-se de um “encontro muito importante, com um impacto muito significativo, o momento foi muito reparador e algumas das vítimas saíram, até, reforçadas nas suas crenças e na sua fé”. “Sentiram-se muito escutadas”, de acordo com a responsável do Grupo Vita, a quem o Papa terá “pedido que é preciso ir e fazer o máximo por estas pessoas”. “O Santo Padre olhou-nos nos olhos, a mim e às minhas colegas Joana e Alexandra, e, além de agradecer o trabalho, pediu-nos que continuássemos, que não desistíssemos e que fossemos até onde tivéssemos de ir. Posso assegurar que este grupo de trabalho sai com um sentimento de missão muito reforçado”, concluiu Rute Agulhas.
O encontro foi noticiado pela Vaticano News, com base num comunicado da Santa Sé, depois da RTP ter revelado o mesmo. A Conferência Episcopal também emitiu uma declaração, dando conta do cumprimento da reunião que tinha sido anunciada, no início de junho, por Américo Aguiar.
Durante a tarde de quarta-feira, o Papa tinha dado sinais, na sua homilia no Mosteiro dos Jerónimos, que a questão dos abusos sexuais na Igreja iria fazer parte da sua agenda nesta JMJ, em Lisboa, ao criticar uma certa inércia do clero nacional face a esse flagelo.