Altruísmo ou benefício indevido? A pergunta sobre as motivações de Nuno Rebelo de Sousa para interceder a favor das gémeas luso-brasileiras ficou sem resposta, apesar da muita insistência dos deputados. O filho do Presidente da República não foi além da resposta que tinha programado por conselho dos seus advogados. “Pelas razões referidas, não respondo”. Mas a sua defesa acabou por deixá-lo numa situação mais complicada.
Nuno Rebelo de Sousa iniciou a audição na Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) ao caso das gémeas luso-brasileiras que foram tratadas em Santa Maria com um dos medicamentos mais caros do mundo com o anúncio de que não iria responder a nada, não pelo processo estar em segredo de Justiça, mas para não se incriminar.
De resto, Rebelo de Sousa disse que já tinha informado a CPI por email da sua autorização para que esta comissão tenha acesso a todos os esclarecimentos que prestou já sobre o caso ao Ministério Público, algo que depende também da autorização do próprio Ministério Público, o que se afigura difícil dado o facto de o processo estar sob segredo de Justiça.
Nuno Rebelo de Sousa pode ter cometido crime de desobediência
O silêncio de Nuno Rebelo de Sousa foi tão completo, que até o pode ter levado a cometer o crime de desobediência ao ter-se recusado a responder a perguntas do deputado do CDS, João Almeida, sobre questões que se prendem com a sua identificação enquanto testemunha, como a relação que tem (ou não) com outros intervenientes no caso, como Daniela Martins ou António Lacerda Sales.
João Almeida frisou que o direito ao silêncio e à não incriminação não pode servir para recusar dar resposta sobre as relações com outras testemunhas desta CPI, mas nem isso levou Rebelo de Sousa a mudar a sua resposta, tendo apenas aceitado responder que é hoje e desde 2011 diretor na EDP no Brasil e que não tem qualquer outra atividade profissional.
IL ataca “cobardia” de Rebelo de Sousa e Lacerda Sales
“Há aqui algo que se quer esconder e eu gostava de saber porquê”, disse a deputada da IL Joana Cordeiro, depois de criticar a “cobardia” de Nuno Rebelo de Sousa e de António Lacerda Sales, que se recusam a responder perante a CPI, quando a mãe das crianças aceitou expor-se e responder a todas as questões.
“O dr. Nuno Rebelo de Sousa sabe que criou um grave caso político ao senhor Presidente da República, seu pai”, notou o deputado do PS João Paulo Correia, que entende que o inquirido “teria tudo a ganha” se respondesse às dúvidas que existem.
“Sem respostas, todas as hipóteses estão em cima da mesa”
“Sem respostas, todas as hipóteses estão em cima da mesa, desde o altruísmo mais desapegado ao lobismo com contrapartidas”, atirou Joana Mortágua, deputada do BE, que tentou – sem sucesso – saber que tipo de atividades Nuno Rebelo de Sousa desenvolveu enquanto presidente da Câmara do Comércio Luso-Brasileira. “Considera-se um lobista? Recebe ou não contrapartidas”, quis saber Mortágua.
Nuno Rebelo de Sousa não respondeu à deputada bloquista, como também não respondeu a João Paulo Correia, do PS, que queria saber de forma muito direta se o filho do Presidente recebeu ou espera receber algum tipo de contrapartida pela sua intervenção a favor das gémeas doentes, que incluiu várias démarches, incluindo vários e-mails para o pai e para a Casa Civil da Presidência e pelo menos uma reunião com o então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales.
João Paulo Correia declarou mesmo que a falta de esclarecimentos de Rebelo de Sousa, incluindo sobre as suas ligações a uma seguradora brasileira que terá poupado milhões pelo facto de as crianças terem sido tratadas pelo SNS, “adensa esta teoria de que o Dr. Nuno Rebelo de Sousa é um lobista”. De resto, na segunda ronda, Joana Mortágua notou que o silêncio “afasta a versão benévola” de que a intervenção de Rebelo de Sousa possa ter acontecido por questões humanitárias. Já a deputada do PAN, Inês Sousa Real, tinha feito notar que, face à ausência de esclarecimentos, todas as teses são plausíveis, incluindo a da contrapartida indevida por uma cunha.
Com ironia, o deputado do PSD, António Rodrigues, declarou mesmo não querer fazer perguntas a Nuno Rebelo de Sousa para não o obrigar a repetir a resposta que, vezes sem conta, deu aos deputados que o inquiriram. Rodrigues optou por contar “uma história de ficção”, a do “Robin dos Bosques da Solidariedade”, deixando no ar, ironicamente, a ideia de que a tese de altruísmo na sua intervenção parece cada vez mais impossível de sustentar, tendo em conta o “muro de silêncio” que está montado.
Ventura ficou “com uma certeza”
André Ventura, do Chega, ficou mesmo com certezas e não dúvidas, face ao silêncio de Nuno Rebelo de Sousa. “Fico com uma certeza, a certeza de que Nuno Rebelo de Sousa é o pivot principal para contornar a lei portuguesa para dar alguém benefício indevido”. Ventura lembrou toda a documentação que comprova o envolvimento de Rebelo de Sousa no caso e notou a forma como a sua conduta está a prejudicar o Presidente da República e, esta quarta-feira, desrespeitou a Comissão Parlamentar de Inquérito.
“Usa os seus direitos hoje para se proteger, mas está a enterrar até ao fim os órgãos de soberania portuguesas”, declarou o deputado do Chega.
Nuno Rebelo de Sousa não quis sequer responder a Alfredo Maia, do PCP, que apenas fez uma pergunta muito genérica sobre o preço milionário de medicamentos como o que foi usado para tratar as gémeas em Santa Maria. Uma atitude que levou o deputado do Livre, Paulo Muaxo, a decidir não fazer qualquer pergunta ao inquirido, para preservar “a dignidade” desta CPI.
As ligações por explicar à seguradora e aos Lusíadas
Joana Mortágua lamentou que Nuno Rebelo de Sousa não tenha dado esclarecimentos, por exemplo, sobre a sua ligação ao empresário José Magro, que está ligado ao grupo económico que é proprietário não só da seguradora contratada pelos pais das gémeas, que poupou milhões pelas crianças terem sido tratadas pelo SNS, mas também do Hospital dos Lusíadas, a unidade privada na qual as meninas chegaram a ter uma consulta que foi desmarcada, sem que se perceba porquê nem por quem, que seria uma via legítima de referenciação das doentes para o Santa Maria, aonde teriam o mesmo tipo de acompanhamento que é dado a todos os outros utentes nas mesmas condições.
“Coincidências não explicadas, são teses plausíveis”, afirmou Joana Mortágua, sobre estas ligações ao grupo económico.
João Paulo Correia avisou ainda Nuno Rebelo de Sousa de que, caso venha a prestar declarações sobre o caso à comunicação social, estará a demonstrar “um desrespeito enorme” pelo Parlamento e poderá voltar a ser chamado a depor perante esta CPI.