No dia em que levou a filha à Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciência Forenses (INMLCF), a mãe de F. Marques, com 8 anos à data do exame, estava convencida que a sua filha seria alvo de uma perícia psicológica. Apesar de ter transmitido isto mesmo às duas médicas que a aguardavam, a criança foi submetida a exame físico de “avaliação do dano corporal em direito penal”, o qual concluiu que a criança não apresentava “lesões ou sequelas objetiváveis ao nível da superfície corporal”.
O exame a F. Marques foi ordenado no âmbito do inquérito por violência doméstica contra Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto, que vai ser julgado por este crime contra a sua ex-mulher. Vários documentos judiciais a que a VISÃO teve acesso revelam como a criança acabaria por ser submetida a dois exames no INMLCF. Algo que a procuradora Sara Lima Morais reduziu a um “lapso”. Questionada pela VISÃO se foram “apuradas responsabilidades”, a Procuradoria-Geral da República sugeriu a consulta do processo “para uma informação circunstanciada”.
O caso da menor, atualmente com 10 anos, começa a 5 de julho de 2022, já com o inquérito a correr na 2ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto (DIAP). “Com nota urgente”, escreveu a procuradora Ana Manso, o DIAP pediu ao INMLCF a “realização de perícia de avaliação psicológica forense” à menor, “nomeadamente quanto à sua personalidade, capacidade de a mesma poder testemunhar sobre a alegada situação de violência doméstica denunciada nos autos, se será capaz de relatar os factos de que alegadamente tenha sido vítima e se a descrição que deles faz apresenta veracidade/credibilidade”.
O INMLCF marcaria a realização da perícia para 8 de agosto de 2022, porém, a mãe pediu um reagendamento, uma vez que apenas terá recebido a notificação para o mesmo no dia 9 daquele mês. A 21 de setembro de 2022, o DIAP notifica o Instituto de Medicina Legal para “providenciar” a marcação “do exame médico direto” à menor. No dia seguinte, o instituto comunicou ao DIAP do Porto a data de 14 de outubro para a realização do exame “na especialidade de avaliação de dano corporal”, o que foi comunicado à mãe da criança, que detinha a sua guarda, a 28 de setembro, sem que nenhuma das entidades envolvidas notasse qualquer lapso.
F. Marques compareceu ao exame e a 1 de dezembro de 2022, o Ministério Público pediu o respetivo relatório, que foi enviado 14 dias depois. Logo no início do documento, a que a VISÃO teve acesso, a mãe e a criança afirmaram desconhecer “o motivo da presente avaliação pericial, referindo ter conhecimento de solicitação do tribunal de perícia psicológica forense no âmbito de processo de violência doméstica”. Ambas negaram “qualquer tipo de agressão física infligida”.
Certo é que F. Marques foi submetida ao exame. Mas a 6 de janeiro de 2023, a mãe questionou o DIAP do Porto sobre a data para a perícia psicológica, porque a que tinha sido realizada “foi uma perícia física” e a “médica que atendeu a menor” disse ter-se tratado de um “erro de marcação”.
No final do mês de janeiro de 2023 (dia 31), a procuradora Sara Lima Morais escreveu: “Certamente por lapso, foi solicitada ao Instituto de Medicina Legal a marcação de exame médico, quando, na verdade, o que se determinou foi a realização de uma perícia de psicologia forense”. A mesma procuradora ordenou, então, a avaliação psicológica, que foi feita a 27 de fevereiro de 2023, sem que qualquer consequência fosse retirada do “lapso”, obrigando a menor a deslocar-se duas vezes ao INMLCF para exames.
O “lapso” também acabou por custar ao DIAP do Porto o pagamento ao instituto de duas perícias: 71,40 euros pela avaliação do dano corporal e 51 euros pela perícia psicológica.
Julgado por violência doméstica, mas pode ver a filha
Durante a fase de inquérito, Francisco J. Marques chegou a ser detido. Como medida de coação, ficou impedido de contactar com a filha, uma situação que foi alterada pelo Tribunal da Relação do Porto.
A juíza Filipa Azevedo, que ordenou a ida do diretor de comunicação do FC Porto a julgamento, considerou que Francisco J. Marques quis “manter sobre a assistente, a todo o custo, uma posição de domínio e de controlo sobre a sua vida, conduta essa reiterada e prolongada no tempo”. Segundo o Jornal de Notícias, o antigo jornalista não soube proteger a sua filha menor “de uma rutura entre os progenitores já de si naturalmente dolorosa, antes expondo a criança a uma pressão psicológica acrescida e a um sofrimento emocional gratuito, desnecessário e injustificado”.
Num extenso texto publico na rede social “X”, após a dedução da acusação, Francisco J. Marques afirmou que, seis meses após a imposição das medidas de coação, requereu a extinção das mesmas, “de forma a que pudesse a estar com a minha filha e, muito mais importante, a minha filha pudesse voltar a estar com o pai.
“Surpreendentemente, o DIAP do Porto opôs-se, defendendo que as medidas de coação se mantinham válidas, numa espécie de “pena perpétua”, mesmo antes de julgamento; posição que foi validada pelo Tribunal de Instrução Criminal do Porto. Restou-me recorrer para o Tribunal da Relação, que, quatro meses depois, repôs a legalidade, sendo-me possível, nessa altura, voltar a estar com a minha filha – é comovente o relatório da psicóloga do colégio a relatar a reação da menina quando soube que o pai iria ao colégio à hora de almoço, após dez longos meses sem ter notícias do pai”, acrescentou