Pedro Costa resiste junto à escadaria da Assembleia da República, mas já não está sozinho. Nesta quinta-feira, 5.º dia de protestos, a VISÃO contou, pelo menos, oito dezenas de colegas ao seu lado. Vão uns, mas logo aparecem outros. É assim durante todo o dia. Os polícias estão unidos na luta por melhores salários e condições de trabalho, e prometem continuar. Os guardas prisionais marcam igualmente presença.
Quem é, afinal, o homem que deu início à revolta nas forças de segurança?
Pedro Costa nasceu em Alcácer do Sal, Setúbal, em 1991. É o mais novo de quatro irmãos, e único rapaz da família. Ainda foi militar, mas acabou por decidir concorrer à PSP, fazendo a formação no 14.º curso de agentes, na Escola Prática de Polícia, em Torres Novas. Entrou há 5 anos ao serviço, que cumpriu, sempre, no Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis).
Ainda passou pela 67.ª Esquadra (na Venda Nova, Amadora) e pelo Espaço OKAZO (em Alfornelos, Amadora), que se dedica a apoiar vítimas de violência doméstica. Mas estava agora colocado na Divisão de Segurança Aeroportuária
Em dezembro, começou a escrever textos sobre o estado de espírito dos polícias portugueses. Em janeiro, tornou-os públicos, através de um vídeo que ficaria viral nos grupos de WhatsApp e Telegram (ver abaixo). Nesse vídeo, Pedro Costa considerava que, tal como os restantes colegas de profissão, é “um escravo do trabalho (…) [e] mal remunerado”. E alertava que “se não fizermos nada, vai continuar tudo na mesma”.
No domingo, 7, iniciou uma vigilia à frente do Parlamento, levando consigo apenas um saco de plástico, onde depositou a insígnia da PSP. Movimentos e colegas juntaram-se ao protesto, manifestando apoio. Os sindicatos também alinharam. E, já hoje, o próprio diretor nacional da PSP, José Barros Correia, manifestou estar “solidário” com os polícias, segundo representantes sindicais.
A “luta” de Pedro Costa prossegue. O agente da PSP – que, diz, não é simpatizante de qualquer partido político – anunciou que não se irá apresentar ao serviço até que “o problema” esteja resolvido. Mostrou-se disponível para ser recebido pelo Presidente da República ou pelo MAI, mas, até este momento, não obteve respostas. Permanece, por esta hora, à porta da Assembleia da República, rodeado de colegas de profissão. E insiste que o protesto “é de 24 horas, sem data ou hora para terminar”. Dorme numa carrinha estacionada em São Bento.
A PSP ainda não abriu nenhum inquérito, mas Pedro Costa não deverá escapar a um processo disciplinar, que pode ir da simples repreensão à expulsão daquela força de segurança.
O suplemento da discórdia
A revolta dos colegas acumulava-se há vários anos, mas a aprovação pelo Governo, promulgada por Marcelo Rebelo de Sousa, em dezembro passado, do pagamento de um suplemento de missão, no valor de cerca de 700 euros, aos inspetores da Polícia Judiciária, fez disparar a ira entre os agentes da PSP e GNR, que se dizem estar a ser “discriminados”.
Os polícias falam em “discriminação” dentro das forças de segurança e querem valores semelhantes, mas o Governo diz que esse subsídio também existe para a PSP. Aos jornalistas, José Luís Carneiro negou mesmo a “discriminação”, afirmando que “há um suplemento” na PSP, embora, na realidade, este suplemento seja de 20% do ordenado do agente, a que acresce 100 euros, o que significa que vai variando de acordo com a remuneração de cada um. Ora, o ordenado de um agente da PSP, no início de carreira, é perto de 900 euros, o que significa que, mesmo contando com o suplemento, este elemento das forças de segurança nunca vai ganhar mais de 1.050 euros, depois de aplicados todos os descontos – apenas 300 euros a mais do que o suplemento da PJ.
À VISÃO, César Nogueira, líder da Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR), garante que “esta ação vai continuar, que ninguém vai parar”, não colocando de parte a hipótese das manifestações se manterem até às eleições de 10 de março. O dirigente sindical promete que a situação vai manter-se “qualquer que seja o Governo em funções”.
Já Paulo Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Policia (ASPP/PSP), declarou que “o sentimento nas esquadras é de ira e revolta”. “Se os polícias já se sentiam desvalorizados, a aprovação do suplemento para a PSP, discriminado as outras polícias, foi um desrespeito, a ‘gota de água’ que fez transbordar a paciência dos polícias portugueses”.
Entretanto, os protestos alastram-se. O Movimento Zero, grupo inorgânico que surgiu dentro da polícia – e adormecido há vários meses – voltou a fazer publicações nas redes sociais, manifestando apoio a Pedro Costa.
Há notícia de vigílias em localidades como Lisboa, Porto, Leiria, Funchal, Viana do Castelo, Portalegre, Viseu, Guarda, Coimbra, Braga, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Évora, Chaves, Faro, Castelo Branco, Bragança, Horta e Beja.
Polícias “vão cumprir o serviço e lei”
Os grupos de polícias nas redes sociais “fervilham” de revolta; nalguns, com dezenas de milhares de utilizadores, propõem-se formas de luta “mais radicais”.
Nas primeiras horas dos protestos, vários carros-patrulha da PSP foram dados como “inoperacionais”. Falou-se de “sabotagem”, surgindo nesses canais sugestões para danificar os veículos de PSP e GNR. “Areia nos depósitos”, “furar pneus”, “queimar fusíveis” ou “deixar os pirilampos ligados e a viatura desligada, [para] ficar sem bateria” foram alguns dos comentários publicados. O “boicote à presença em eventos públicos”, como jogos de futebol e outros espetáculos também foi sugerido.
Sindicatos e polícias, ouvidos pela VISÃO, afastam qualquer possibilidade de terem existido tais ações. “Tenho a certeza que ninguém fez isso. O problema é que, num grupo com 20 mil pessoas, nem todos são polícias e todos escrevem o que querem”, diz fonte da PSP. “Os carros estão tão velhos, tão danificados, que basta dá-los como ‘inoperacionais’. Não é preciso sabotar nada, porque há sempre um com um ‘pisca’ fundido, com um ‘stop’ estragado ou com os pneus ‘carecas’… o problema é que, muitas vezes, andamos assim, para cumprir o serviço… agora damos conta desse problema, e o carro para”, explica a mesma fonte.
“Os polícias e os guardas vão continuar a fazer o que têm de fazer, e ninguém vai colocar em causa a segurança dos cidadãos”, asseguram, à VISÃO, César Nogueira e Paulo Santos. “Os polícias vão continuar a protestar, cumprindo o serviço e a lei”, concluem.