Um grupo internacional de cientistas descobriu que um fenómeno raro nos Himalaias, a mais alta cordilheira do mundo, que pode estar a abrandar os efeitos das alterações climáticas na região.
Com o aumento das temperaturas devido ao aquecimento global, os pontos altos das montanhas têm registado um aquecimento mais rápido e intenso relativamente a outras regiões do planeta e, nos Himalaias, os glaciares estão a derreter rapidamente.
Um relatório publicado em junho revelou que os glaciares dos Himalaias derreteram 65% mais rapidamente na década de 2010 relativamente à década anterior, sugerindo que o aumento das temperaturas já está a ter um impacto na região.
Contudo, a equipa percebeu que esta tendência tem sido contrariada nesta cordilheira devido a um acontecimento que tem permitido manter as temperaturas estáveis na região, conhecido por ventos catabáticos, que transportam o ar de alta densidade para baixo de uma encosta, devido à força da gravidade.
“Acreditamos que os ventos catabáticos são a resposta dos glaciares saudáveis ao aumento das temperaturas globais e que este fenómeno pode ajudar a preservar o permafrost e a vegetação circundante”, afirma Nicolas Guyennon, investigador do Conselho Nacional de Investigação de Itália e um dos autores do estudo.
Como é que isto acontece? De acordo com Francesca Pellicciotti, professora de glaciologia no Instituto de Ciência e Tecnologia da Áustria (ISTA) e principal autora da investigação, quando o aumento das temperaturas atinge determinadas massas de gelo de grande altitude, isto desencadeia a formação de fortes e frios ventos ao longo das encostas.
O aumento das temperaturas cria, então, uma diferença maior de temperatura entre o ar circundante acima dos glaciares dos Himalaias e o ar mais frio diretamente em contacto com a superfície das massas de gelo, explica a investigadora, em comunicado.
“Isto leva a um aumento na troca turbulenta de calor na superfície do glaciar e a um arrefecimento mais forte da massa de ar superficial”, acrescenta. Ou seja, à medida que o ar fresco e seco da superfície fica mais frio e denso, vai afundando, e a massa de ar flui pelas encostas até os vales, o que provoca um efeito de arrefecimento nas áreas mais baixas dos glaciares, assim como nos ecossistemas circundantes.
Este efeito de arrefecimento foi observado pelos investigadores nas encostas do Evereste e em toda a cordilheira dos Himalaias, diz a equipa.
As notícias podem não ser assim tão boas
O laboratório Pyramid International Laboratory, que se encontra a uma altitude de pouco mais de 5 mil metros, na encosta sul do Monte Evereste, registou incessantemente, ao longo de três décadas, dados meteorológicos detalhados que confirmam que os glaciares dos Himalaias foram perdendo massa de forma consistente.
Durante a realização do estudo, publicado na revista Nature Geoscience, os autores analisaram estes dados e descobriram que o aumento das temperaturas está a desencadear os tais ventos catabáticos. “Os ventos catabáticos são uma característica comum dos galciares dos Himalaias e dos seus vales, e provavelmente ocorreram sempre”, esclarece Pellicciotti. “O que observámos, no entanto, foi um aumento significativo na intensidade e duração dos ventos catabáticos, e isto deve-se ao facto de que as temperaturas do ar circundante terem aumentado”, acrescenta.
A equipa também concluiu que, em termos de perdas de massa, os glaciares dos Himalaias estão a ter um desempenho “ligeiramente melhor” do que os glaciares medianos.
Apesar dos resultados, os investigadores alertam para o facto de este fenómeno poder ser uma resposta de emergência às alterações climáticas e não um indicador de estabilidade a longo prazo.
Isto porque estes ventos têm também impacto na precipitação: dados revelam que os ventos levaram a uma diminuição da queda de neve a grandes altitudes, o que influencia negativamente a massa glacial.
A equipa diz que, neste momento, é importante perceber se os glaciares dos Himalaias conseguem manter este efeito de arrefecimento à medida que a região enfrenta um provável aumento das temperaturas nas próximas décadas.
“Mesmo que os glaciares não consigam ficar preservados para sempre, ainda poderão preservar o ambiente que os rodeia durante algum tempo”, afirma Pellicciotti, acrescentando que devem existir no futuro “abordagens investigacionais mais multidisciplinares, para convergir os esforços no sentido de explicar os efeitos do aquecimento global”.