Não basta querer. Estima-se que cerca de 15% das pessoas se debatem com a necessidade imperiosa de descontrair mas não o conseguem fazer e, quanto mais tentam, pior. Trata-se de uma condição síndrome paradoxal, ou seja, uma resposta desadaptativa que se traduz num estado de alerta na altura errada, em que uma pessoa sai do registo acelerado e se prepara para descansar, por estar disponível para isso, e constata, com perplexidade, que tal se revela uma missão impossível.
A ansiedade induzida pelo relaxamento, conhecida pelo acrónimo RIA (em inglês), não é uma incapacidade nem consta no Manual das Doenças Mentais, embora se fale dela no meio clínico desde os anos 1980, talvez por ter sido nessa altura que as técnicas de relaxamento começaram a conquistar adeptos no âmbito de programas de promoção de saúde e bem-estar.
Um dos primeiros artigos científicos sobre o tema, publicado no Journal of Consulting and Clinical Psychology , envolveu uma amostra de 14 adultos com queixas de tensão e submetidos a treino de relaxamento progressivo e meditação focada (mantras). Os investigadores verificaram que 30,8% do grupo experimentou um aumento da ansiedade na primeira abordagem e 53,8% na segunda.
Entretanto, a psicóloga Christina Luberto, da Universidade americana de Cincinnati, desenvolveu uma escala para avaliar o fenómeno (Relaxation Sensitivity Index) e hoje sabe-se que a condição não é sinónimo de incapacidade.
Relaxar é possível, pelo menos no início. O problema é manter esse estado por algum tempo, pois quando o sistema parassimpático começa a desempenhar o seu papel, reduzindo o metabolismo e desacelerando as funções que não precisam de estar ativas, vem uma espécie de sobressalto: o registo em que se tinha entrado é interrompido e o coração começa a bater mais depressa, a respiração altera-se e a ansiedade toma o lugar da tranquilidade. Porque é que isto acontece?
Efeito paradoxal
Boa parte do problema está na cabeça. Dito de outra forma, o bloqueio parece estar no receio do que possa suceder ao baixar a guarda e nas inseguranças que geram preocupação e levam a central de comando a emitir instruções de alerta, preparando o corpo para a ação, qual sentinela num ambiente desconhecido. Assim se entra em num estado de hipervigilante, que impede a tão desejada entrega a momentos de desfrute e descanso.
Da mesma forma que estar sozinho à noite, no ambiente sossegado e sem distrações, é terreno fértil para todo o tipo de fantasmas (emoções e pensamentos negativos, por exemplo), para algumas pessoas a arte de serenar os ânimos pode representar um risco ou um sinal de perigo, ainda que este mecanismo não seja consciente. A cabeça diz “sim”, o corpo diz “não” e a impossibilidade de sair do dilema manifesta-se na fisiologia, na descontinuidade de estados e sensações. Esta é a razão pela qual os esforços para voltar ao ponto inicial costumam ser ineficazes. A contragosto, surgem a frustração, a desistência e cumpre-se a profecia temida: ‘relaxar’ torna-se o gatilho para desencadear o seu oposto, que tanto se queria evitar
Ter um diagnóstico de ansiedade generalizada ou de depressão major terá maior propensão para desenvolver este mecanismo ‘protetor’. Sugere-o um estudo publicado há quatro anos, no Journal of Affective Disorders. A equipa de Hanjoo Kim, do Departamento de Psicologia da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, submeteu os participantes (na amostra, 32 tinham ansiedade generalizada, 34 depressão major e 30 eram do grupo de controlo) a um exercício de relaxamento, seguido de um vídeo que induzia medo. Usaram depois um teste (sensibilidade negativa ao contraste), seguido de novo relaxamento e avaliaram a RIA: os resultados obtidos mostraram que o problema estava no filtro mental dos participantes com ansiedade generalizada e, em menor grau, dos que sofriam de depressão. Quanto mais se tende a ver um perigo em cada esquina ou a olhar para o copo meio vazio e, até, a catastrofizar, não sobra espaço para o “chill-out”.
“Eu tenho de…”
Independentemente de ter, ou não, a síndrome, o calcanhar de Aquiles de quem deseja estar ‘zen’ mas não chega lá, por mais que o queira, parece estar na auto-imposição, a antítese do deixar ir. Não é de estranhar, que se gere alguma confusão nos circuitos cerebrais e uma pessoa fique logo em sentido. Isto não sucede apenas com o relaxamento. Entrar no modo espontâneo ou despreocupado e, ao mesmo tempo, ver nisso uma obrigação é condenar à nascença a possibilidade de tais estados durarem.
Há quem diga que dar-se conta da relação inversa entre relaxamento e ansiedade pode ser suficiente para baixar a guarda. Quem já experimentou meditar, sabe o que a casa gasta e não é por acaso que nas filosofias orientais se destaca a importância de não resistir, de contornar obstáculos, de “ser como a água”. A adoção dessa postura remove o efeito paradoxal da equação. No Ocidente, as práticas meditativas que entraram em voga no início do milénio até podem funcionar, mas não para todos, por razões culturais e individuais.
Ricardo João Teixeira é psicólogo clínico e coordenador da REACH, Clínica de Saúde Mental, no Porto. Certificado em terapias cognitivo-comportamentais de terceira geração (que incluem o Mindfulness e Terapia Focada nas Emoções, entre outras), está familiarizado com este cenário.
O “quero, mas não consigo” ou “a culpa é minha” são, muitas vezes, o resultado de ideias erróneas sobre o relaxamento (pensar que é imediato), mas também se devem ao fator comparação (fantasias sobre a forma certa de fazê-lo ou porque viu alguém fazer e pensa “assim é que é bonito”) e à dificuldade em desligar do trabalho nos planos cognitivo e emocional. “Tais crenças podem induzir uma sensação desagradável”, explica, dando um exemplo: “Nos casos de ansiedade generalizada, a pessoa vem do trabalho e quando começa a relaxar, no sofá, pode ter uma crise de pânico; não é uma escolha, é uma reação cerebral, oposta à pretendida”.
Em consulta, o psicoterapeuta analisa o caso, explica o funcionamento do sistema nervoso e apresenta pistas para lidar com estas dificuldades. “Forçar o relaxamento quando a mente está no modo ativo é o mesmo que forçar-se a trabalhar quando se está muito cansado.”
Soluções à medida
Ainda que seja óbvio, nunca é demais referi-lo: o que não funciona é para por de lado. A ideia é reduzir, ou prevenir, a “carga alostática” (conceito proposto por Peter Sterling e Joseph Eyer, é a resposta de ajuste do organismo face a eventos que o desviam da homeostase, ou seja do estado de equilíbrio físico e psicológico). Distrair o foco do relaxamento e experimentar orientá-lo para coisas que proporcionem sensações agradáveis: ler, tricotar, ouvir música ou outra atividade que não envolva esforço e faça sentido para aquela pessoa em concreto. Ricardo João Teixeira acrescenta: “Há quem relaxe a ver televisão e quem o consiga a ouvir heavy metal, como era o caso, num paciente que acompanhei.”
Em casos específicos, quando o sistema nervoso simpático permanece ativo em alturas indevidas e o registo de ataque-ou-fuga não dá folga ao corpo e à mente (mesmo recorrendo à respiração abdominal, que ativa o sistema nervoso parassimpático), pode ser benéfico recorrer à psicoterapia para detetar e modificar fatores que condicionam negativamente a capacidade de estar sem inquietações súbitas.
Daqui em diante, é mudar rotinas aos bocadinhos e treinar a arte da entrega e desfrutar das pausas com mais propriedade, mas atenção: uma barriga muito cheia ou muito vazia não são boas amigas da homeostase. E não se espere milagres de qualquer prática de relaxamento em situações mais atípicas, como após receber notícias que geram emoções fortes (boas ou más), por exemplo, que suscitam respostas em conformidade (e a tranquilidade raramente é uma delas).
O ‘bálsamo’ da presença e a ‘vitamina’ da motivação
O corpo tem uma capacidade natural e inata para relaxar e recarregar baterias: se não for de uma maneira, haverá sempre outras (caminhada outdoor, outros exercícios que relaxam em movimento, hóbis), basta estar atento ao que se sente, quando se sente e guiar-se por isso.
A neurocientista americana Vera Ludwig, do Platt Labs, da Universidade da Pensilvânia faz saber como conhecer a forma como funcionamos nos pode ajudar a viver com outra à vontade. Lembrando que o cérebro tem dois sistemas – impulsos e desejos de um lado, processos de controlo cognitivo do outro – o segredo para ambos funcionarem em harmonia é não lutar com uns e dar aos outros aquilo que precisam. Na prática, alinhar-se com coisas que estimulam os centros da recompensa do cérebro e produzem bem-estar é meio caminho para garantir o equilíbrio, sem desregulações de maior.
E o Mindfulness (apelidado de McMindfulness, devido ao marketing em torno da Atenção Plena, vendida como uma panaceia)? “Observar o que está a acontecer no momento, negativo ou positivo, e aceitar o que vem, sem julgar ” pode ter um efeito paradoxal, mas em bom. Citando Vera Ludwig, o simples facto de “estar presente facilita o processo, sem forçar, podendo tornar o alcance da meta mais agradável”.