Há quatro dias que vários elementos da força especial conjunta enviada por Portugal para ajudar o Chile, no combate aos graves incêndios rurais que varrem aquele país e que já vitimaram mortalmente mais de duas dezenas de pessoas, aguardam que lhes sejam enviados equipamentos de proteção pessoal, para que possam atuar naquele território.
Além disso, parte dos portugueses que foram selecionados pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) para irem na tal equipa acabaram a sua formação há pouco tempo, nunca tendo tido qualquer experiência em fogos daquela dimensão – que as autoridades comparam a fenómenos como os que ocorreram em Pedrógão Grande, no verão de 2017, e que mataram mais de 60 pessoas.
Os 144 membros de várias estruturas da Proteção Civil portuguesa partiram no sábado à noite, da Base Aérea Militar de Figo Maduro, em Lisboa, rumo à província de Concepción, a bordo de um avião comercial.
Apesar de serem chefiados pela ANEPC, as falhas estarão a afetar elementos ligados à UEPS – Unidade de Emergência de Proteção e Socorro da GNR, aos Sapadores Florestais, que são tutelados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e à Força Especial de Proteção Civil (FEPC), bombeiros altamente especializados que dependem diretamente da ANEPC.
Ao que a VISÃO apurou, a falta de equipamentos afeta essencialmente os elementos da UEPS e da FEPC. Já os Sapadores Florestais são quem se depara pela primeira vez com uma realidade desconhecida. Máscaras respiratórias são alguns desses materiais em falta.
Jorge Mendes, comentador da CNN/TVI e comandante dos Bombeiros de Cabo Ruivo – que foi um dos primeiros operacionais do setor a alertar para o que estava a acontecer, logo horas após a equipa aterrar no Chile -, adiantou que “à ida, aos bombeiros sapadores florestais não foram entregues equipamentos de proteção individual”.
“Os que lá estão, acabaram por ter de usar equipamentos que levaram das instituições a que estão ligados, porque o ICNF nada lhes assegurou, e ainda estão à espera de uma resposta”, adiantou à VISÃO, criticando que o País tenha respondido ao protocolo de reciprocidade entre Portugal e Chile sem que a ANEPC tenha assegurado que todos os operacionais “estavam devidamente equipados e preparados”.
“Esta é uma imagem com que o País não deveria ficar. Se a ANEPC é quem está a coordenar, então essa entidade tem que, ao convocar uma estrutura para integrar uma força especial, ter a garantia que os operacionais estão equipados e, acima de tudo, preparados para enfrentar o tipo de cenário que irão encontrar. E, neste último caso, isso não aconteceu. Porque, enviar alguém que se acaba de formar e que, mesmo com alguma prática, é colocado a combater um incêndio numa orografia complicada, é pôr em risco a sua integridade física e manchar a imagem do País. É inadmissível. E quem não tem culpa são esses bombeiros”, defendeu Jorge Mendes, apontando que, para este tipo de respostas dadas por Portugal relativamente a acordos que tem no âmbito da Proteção Civil, “existia no passado na Base Aérea Nº.1, em Sintra, no tempo do Serviço Nacional de Bombeiros, um stock de materiais para este tipo de casos”.
A denúncia sobre a falta de condições com que se depara a equipa portuguesa foi replicada pela APROSOC – Associação de Proteção Civil, que lamenta que “mais uma vez estejamos perante uma equipa que foi enviada para ficar bem na fotografia”.
“Há uma espécie de dívida de Portugal para com o Chile, porque se trata de um país que já teve elementos de equipas suas a perderem a vida cá, porque vieram ajudar os portugueses a combater fogos graves. Enviarmos alguém que apenas vai fazer número, e se mostra incapaz de poder contribuir para debelar um cenário que é comparado ao que atravessamos no ano de 2017, é muito grave”, apontou, à VISÃO, João Paulo Saraiva, presidente da APROSOC, que disse saber de alguns elementos portugueses que se recusaram a entrar no combate às chamas até agora.
A Proteção Civil foi questionada quanto a este caso, assim como o Ministério da Administração Interna (MAI) – que remeteu para a primeira entidade, que é por si tutelada, qualquer explicação.
Já está quinta-feira de manhã, a ANEPC veio contradizer quer o denunciado por dirigentes do setor, quer o apurado pela VISÃO, dizendo “ser falsa” tal informação.
“Os operacionais estão equipados para as funções que se encontram a desempenhar e encontram-se a cumprir as missões atribuídas de forma exemplar e altamente competente, tendo-lhes sido confiada no dia de ontem a missão de extinguir a cabeça de incêndio florestal. A missão foi concluída com sucesso e com inúmeros elogios à atuação e organização da Força”, lê-se no comunicado enviado, onde se acrescenta que “todos os elementos que integram a Força Operacional possuem a formação e a experiência adequadas ao cumprimento da missão em que participam, designadamente experiência em ocorrências de incêndios rurais”.
Após este comunicado da ANEPC, de novo à VISÃO Jorge Mendes reafirmou que “não só o ICNF já admitiu que os Sapadores viajaram sem os equipamentos com que deveriam ter partido, como a UEPS não esteve disponível, por falta de condições, para atuar no primeiro dia”. “Quanto aos bombeiros, sem dúvida, deram o que têm de melhor e só não deram mais porque provavelmente as condições que ali encontraram não o permitiram”, concluiu.
* Atualizado às 10.30 horas, de quinta-feira, 16 de fevereiro, não com as respostas às questões enviadas pela VISÃO, mas com a nota de esclarecimento da ANEPC ao artigo já publicado.