“O teu problema é ter falta de vontade”. Quantas vezes já dissemos isto a alguém, ou fomos nós a receber o comentário de uma pessoa que estimamos e a quem confessamos como está a ser difícil deixar um hábito nocivo, enfrentar um problema ou terminar um projeto cujo prazo está a chegar ao fim? Na maior parte dos casos, não ajuda.
Sinónimo de determinação, autodisciplina e autocontrole, a força de vontade é um construto da Psicologia associado à motivação e contribui para um sentimento de realização pessoal e profissional. Quando a sentimos em falta, isso não significa que temos uma fraqueza de caráter e tem mais a ver com uma desregulação no plano neuroquímico equivalente à bateria do carro ou do telemóvel quando estão a chegar ao fim.
A razão pela qual as reservas mentais e emocionais se esgotam com mais frequência em certas pessoas e não noutras depende de muitos fatores: crenças limitadoras, facetas da personalidade, a forma se foi educado ou em que medida as questões ligadas ao trajeto de vida moldam a perceção de cada um.
Por exemplo, avaliar a situação como demasiado exigente para as reservas de que se dispõe – ou se acredita não ter – gera angústias e preocupações que consomem energia mental e emocional e, mais cedo ou mais tarde, se manifestam em sinais físicos de mal-estar, como desorientação, irritabilidade ou fadiga.
Muitos lidam com o desconforto empurrando a barriga para a frente: evitam, deixam para amanhã, procrastinam. Outros aliviam a culpa e o sofrimento com prazeres imediatos, o que é igualmente ineficaz, na medida em que o problema não se resolve sozinho e até se avoluma.
Como se fortalece a força de vontade, sobretudo nas alturas em que ela é mais necessária e se volta a entrar nos eixos, com ganhos em produtividade, realização e bem-estar?
Saber esperar sem perder o foco
O esforço é a primeira coisa em que se pensa quando se deseja alcançar um objetivo. Logo a seguir vem a capacidade de gerir pensamentos que atrapalham o processo e manter a calma. Há ainda outro aspeto que, desde os anos 1970, tem merecido a atenção da comunidade científica: os mecanismos envolvidos na tomada de decisão.
O psicólogo norte-americano Walter Mischel, da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, estudou a forma como as crianças em idade pré-escolar faziam escolhas e em que medida elas podiam influenciar o rumo das suas vidas, tendo criado um procedimento que ficou conhecido por “teste do marshmallow”.
Ao entrar numa sala e ser convidada a brincar, a criança deparava-se com um doce em cima da mesa e a possibilidade de optar entre duas sugestões: comer o doce no momento ou, se aguardasse pela chegada do adulto ali presente, que iria ausentar-se por alguns momentos, poderia comer dois ou três. O tempo estimado de espera era de 15 minutos, mas só uma parte da amostra (500 crianças) esperou, em média, dez minutos, e os outros participantes ficaram-se pelos dois, ou seja, a maioria não conseguiu adiar a recompensa. Seguiu-se um estudo longitudinal que confirmou a relação entre a capacidade de controlar emoções (sem ceder à tentação de obter ganhos no imediato) e o sucesso na vida adulta.
No cenário atual, em que se quer tudo para já, senão mesmo para ontem – e a tecnologia sem a qual já não passamos favorece esse registo – o cérebro tende a ficar ‘viciado’ no modo de funcionamento instantâneo.
Sem ginasticar o autocontrolo e a autodisciplina, tudo se complica na hora de cumprir metas de médio e longo prazo. Além disso, estudos que avaliaram o funcionamento cerebral com recurso a ressonância magnética mostraram que a aceleração e a dispersão mental constantes tinham impacto nos mecanismos do córtex pré-frontal, onde se processam a atenção, a cognição e a memória: funções executivas como a capacidade de planear e de tomar decisões, que poderiam ser otimizadas, ficavam comprometidas.
Em síntese, seguir a via mais fácil, cedendo aos impulsos, impede a ginástica emocional e a capacidade de manter o foco na luz ao fundo do túnel em momentos mais desafiantes: aguentar firme e resistir à pressão, sem deitar tudo a perder, torna-se uma missão hercúlea, visualiza-se o pior e as melhores intenções acabam fracassadas.
“Se aconteceu uma vez, o mais certo é repetir-se”, pensa-se, abrindo a porta ao fenómeno que dá pelo nome de profecia auto-realizável: entra-se no ciclo da desmotivação e, não raras vezes, desespera-se. Que o digam os atletas quando perdem uma competição, ou os estudantes, depois de uma avaliação que não correu bem, apesar de se terem preparado. Até mesmo o fumador que tem uma recaída começa a duvidar de si próprio e dá por si a atirar a toalha ao chão, convencido de que todos os seus esforços foram em vão e, nesse caso, para quê tentar de novo?
Inteligência positiva
Há um fundo de verdade no ditado “o nosso pior inimigo somos nós”. É o que acontece quando se tem uma visão limitada de si e a pessoa se demite da sua responsabilidade em relação ao que não corre bem, aceitando a versão do “sou assim, não há nada a fazer” ou “o problema é estar neste País, nesta família”, e por aí fora. E se o problema forem os pensamentos negativos, que consomem energia e causam desgaste, tal como a resistência a experimentar de outra forma?
Com décadas de investigação no campo da Neurociência e da Psicologia e um MBA pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Shirzad Chamine é responsável pela formação de gestores que trabalham em empresas que estão no ranking da Fortune 500. No bestseller Inteligência Positiva, o novo quociente de inteligência, o atual presidente do Coaches Training Institute defende que o segredo da força de vontade está na forma como usamos as competências intelectuais e emocionais, e apresenta sugestões e exercícios práticos para identificar e fortalecer o Quociente Positivo, por fim a mecanismos de sabotagem aprendidos e cumprir o nosso potencial.
Certificada neste método, em Portugal, a consultora e executive coach Isabel Freire de Andrade reconhece que o panorama atual é propício a estados de desmotivação e de alienação, pela ausência de um rumo, a começar nos políticos, que “não estão a criar um propósito e uma visão mais interessante para o País”, acrescenta que este desafio compete também às empresas e aos cidadãos.
A CEO da Bright Concept adianta: “Cada um tem de encontrar aquilo que lhe dá sentido à vida, sob pena de não avançar e desistir, baixando os braços, em vez de avançar e remover obstáculos.” E como é que isso se faz?
Saber onde quer ir
Tudo começa na cabeça: “Ter uma bússola interior, ou seja, uma direção, torna as dificuldades menos penosas de enfrentar.” E porque ninguém diz aos indivíduos ou às organizações qual é o seu propósito, Isabel desafia os seus clientes, nas sessões, a descobrirem esse propósito, respondendo a perguntas como estas:
- Qual é a aspiração que quer ver realizada ao fim de um ano? E de cinco? E para a vida?
- O que mais gosta de proporcionar aos outros?
- O que quer que os seus netos digam de si?
- O que gostaria de ler sobre si numa notícia ou artigo de uma publicação?
Deixar de sabotar-se
Aqui, o principal trabalho a fazer é olhar de frente os mecanismos que são desadaptativos. “Se passar o tempo a criticar e estiver em sofrimento, ou contribui para criá-lo, está a entrar no mau caminho, pois isso consome energia, a nós e aos outros”, explica.
Contrariar esta tendência passa por “ter discernimento e corrigir o que não funciona, de forma construtiva, a fim de promover mudanças a nosso favor”, algo que pode ser feito através de exercícios simples:
- Ao acordar: antecipar o que pode irritar-me e pensar como posso comportar-me sem ser em piloto automático
- No final do dia: rever aquilo que fiz bem de modo a que isso fique consolidado na mente; reparar no que não funcionou e imaginar o que faria de forma diferente, também na interação com os outros, e repetir esse pensamento
“Isto fortalece a força de vontade, mas precisa de ser feito com consistência, ou seja, com treino; caso contrário, gasta-se energia e não se consolida a aprendizagem, e não se chega a ir mais longe”. assegura Isabel Freire de Andrade.
Começar cedo
Sintonizar-se com valores que fazem sentido tem a vantagem de galvanizar recursos, promover a robustez psicológica e responder a uma necessidade humana que se situa acima de todas as outras, na pirâmide do psicólogo americano Abraham Maslow: a de auto-realização. Por ela, fica-se disposto a mover montanhas.
Há um senão: saber o que se quer ou dá gozo e refletir sobre como lá chegar requer uma boa dose de empenho e de auto-controlo. Sem eles, a probabilidade de andar ao sabor das circunstâncias é grande. Corre-se o risco de saltar de gratificação em gratificação, de emprego em emprego ou ter uma maior propensão para desfechos não desejados (nas amizades, nos relacionamentos íntimos), sem esquecer as implicações para a saúde (perda de entusiasmo, fadiga, sintomas de mal-estar, compensar com o fast food ou o abuso de substâncias).
Voltando ao teste do marshmallow, aos preditores do sucesso e à sociedade que temos, dada ao imediatismo e às distrações, a partir de quando se começa a cultivar a força de vontade, que implica conhecer e gerir emoções, aprender a ter limites e a desenvolver competências de forma consistente?
Isabel Freire de Andrade admite que o tema tem pano para mangas e remete para os estilos parentais, e não só, em matéria de educação, mas uma coisa é certa, à luz da evidência científica: “Se até aos cinco anos não houve treino nessas áreas, depois já é mais difícil e exige maior esforço.” Ainda assim, nunca é tarde para começar.