O sistema vulcânico de São Jorge despertou. Esta é uma garantia deixada pelo vulcanólogo José Pacheco, em entrevista à VISÃO. O diretor do Instituto de Vulcanologia e Avaliação de Riscos (IVAR) dos Açores, organismo que partilha a maior parte da equipa com o CIVISA, explica os motivos que levaram à decisão de elevar o nível de alerta vulcânico de 3 para 4 (numa escala em que 5 é o nível máximo) e o que isso implica em termos práticos.
O também responsável pela Unidade Científica de Vulcanologia Física do CIVISA lembra que existem exemplos na história dos Açores em que a ascensão de magma que diz verificar-se agora resultou em erupções, inclusive nos mesmos locais em que a terra tem tremido ao longo da última semana – um fator de preocupação acrescida -, assim como também houve casos em que o magma estacionou antes de atingir a superfície e poder causar danos. José Pacheco esclarece ainda que nem todos os indicadores que sugerem a possibilidade de ocorrer uma erupção apontam, para já, nesse sentido.
O que motivou a mudança de nível 3 para 4 no alerta vulcânico?
A situação cada vez mais bem definida no que diz respeito à sismicidade, que nos aponta para a existência de intrusão magmática, e também alguns indícios de deformação crustal [elevação dos terrenos, um indicador que sugere uma possível erupção], que eventualmente ainda serão muito incipientes e terão de ser mais refinados para termos a certeza de que existe essa deformação. No entanto, como coincide no tempo e no espaço com o que estamos a ver nos registos sísmicos, acabou por ser mais um factor de confirmação de estarmos perante uma intrusão magmática, ou seja, há magma em profundidade que está a ser injetado para níveis superiores da crosta. Isto justifica a passagem para o nível de alerta V4, que traduz a indicação de que temos, efetivamente, a reativação de um sistema vulcânico.
O que significa essa reativação?
Consideramos todos aqueles vulcões como parte de um sistema vulcânico ativo porque todos eles podem dar origem a erupções, mas até agora não havia nada a acontecer. Existia apenas um potencial para entrarem em atividade, digamos assim. Agora, há uma intrusão magmática e esta intrusão magmática é a condição para que possa haver uma erupção. Não significa isto que vai ocorrer uma erupção, importa esclarecer. O que estamos a ver são manifestações do movimento do magma em profundidade. Esse magma está a ascender, mas entre a ascensão do magma e a ocorrência de uma erupção ainda há uma série de passos a percorrer. Temos uma história recente de reativações magmáticas aqui no arquipélago, como a de 2005 no vulcão do Fogo [ilha de São Miguel], em que houve uma intrusão magmática sob o vulcão e depois o magma acabou por estacionar a dois ou três quilómetros de profundidade e não se deu qualquer erupção.
Em declarações à VISÃO, Fernando Carrilho, chefe da divisão de geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, defendeu existir “uma forte possibilidade” de haver envolvimento vulcânico nestes sismos. Está confirmada, sendo assim.
Segundo a nossa interpretação, isso é efetivamente o que está a ocorrer. Devo clarificar que os sismos que temos estado a observar são de natureza tectónica. De uma forma muito simples, temos dois tipos de sismos: os de natureza tectónica e os de natureza vulcânica. Os primeiros resultam da fraturação da rocha e têm determinado tipo de sinal, diferente dos segundos. É muito fácil de perceber, por exemplo, se pensarmos num lápis e o partirmos. Esse movimento gera uma vibração que seria a equivalente à vibração da rocha quando parte. Já quando pegamos numa palhinha e a sopramos dentro de um copo de água, o borbulhar gera também uma vibração nas paredes do copo, mas diferente, e isto seria um sismo vulcânico. Aquilo que estamos a ver são sismos de rocha a fraturar, mas essa fraturação da rocha pode ser gerada apenas pela sua natureza tectónica, ou seja, pelo movimento de duas rochas numa falha, como se uma empurrasse para um lado e outra para o outro, entre aspas, ou pode acontecer por causa da intrusão ou da pressão exercida pelo magma. É o caso: a origem da fratura não é o movimento de dois blocos de rocha que constituem a falha mas sim a pressão do magma. Esta é a interpretação que fazemos de todo este fenómeno e que justifica a passagem para o nível 4 de alerta vulcânico.
Quando afirma que esta crise sismovulcânica está “cada vez mais bem definida no que diz respeito à sismicidade”, refere-se a quê exatamente?
A sismicidade está muito localizada numa faixa que corresponde à das fissuras que deram origem às erupções históricas de 1580 e de 1808 em São Jorge. Portanto, o que vemos e continuamos a verificar à medida que o tempo passa, o que nos indica que não foi uma coincidência dos primeiros dias, é que a sismicidade está associada, de forma sistemática, a estas falhas que já deram origem a outras erupções. Sendo que, numa perspetiva geológica, essas erupções foram ontem. O ano de 1808 é apenas um passo atrás no tempo, em termos geológicos. Portanto, temos a sismicidade muito bem constrangida a este sistema vulcânico.
Um dos métodos que permitem antecipar uma possível erupção é o aumento dos níveis de dióxido de carbono no solo. Na terça-feira, estavam normais. Houve alguma alteração, entretanto?
Não há alterações em relação à última comunicação do CIVISA. Os níveis continuam sem demonstrar qualquer variação, o que também não é de estranhar. O facto de estarmos com uma tempestade na ilha, com muita chuva, dificulta que se detetem estas alterações, a menos que fossem muito significativas. As alterações mais subtis, se é que existem, acabam por ficar mascaradas pelo efeito da chuva.
E quanto à profundidade dos sismos, outro indicador de uma possível erupção quando se aproximam da superfície, tem sofrido alterações?
Nos últimos dias tem-se mantido estável, mais ou menos entre os 16 e os 10 quilómetros de profundidade.
A medida decretada pela Proteção Civil dos Açores de evacuar as fajãs do concelho de Velas e proibir o acesso a essas zonas ao nível do mar, entre sábado e segunda-feira, devido à previsão de mau tempo e possível agravamento da crise sismovulcânica, visa precaver que riscos?
A atividade sísmica e o temporal, com chuvas muito intensas, são dois fatores que, por si só, podem desencadear o desabamento de terras. É uma medida para precaver esse perigo, também porque os acessos às fajãs são mais clivosos.