A nova era da desinformação, do ódio, da intolerância e da violência parece ter garantido o aliado que lhe faltava. Personalidades e grupos de antissistema e de contracorrente (em que se incluem os clãs Trump e Bolsonaro), espalhados por todo o mundo – incluindo Portugal –, responderam às suspensões e expulsões, decretadas aos seus discursos pelas plataformas mais populares, como o Facebook e o Twitter, migrando em massa, acompanhados pelos seus mais fiéis seguidores, para canais do Telegram, um sistema de troca de mensagens (para já) inviolável que, devido ao seu modus operandi, conquistou o estatuto de rede social mais perigosa do mundo – chegando a receber a alcunha de “Terrorgram”.
Criada em 2013, a partir de um sonho de liberdade idílico dos irmãos russos Pavel e Nikolai Durov, esta misteriosa plataforma de comunicação – atualmente com 570 milhões de utilizadores estimados no planeta – consegue, graças ao seu modelo de encriptação, fugir ao controlo de Estados e das autoridades. O que começou como uma resposta benigna à limitação de liberdades individuais, imposta pelo regime de Vladimir Putin – e como forma de mobilizar os protestos dos movimentos pró-democracia nas autoritárias Rússia e Bielorrússia –, depressa se transformou numa arma de crime, utilizada por traficantes, burlões e terroristas. Existe, aliás, a convicção de que grupos jihadistas, como a Al-Qaeda ou o Daesh, a utilizaram para preparar ataques na Europa; certo é que é usada, à vista de todos, para vender drogas, armas, bilhetes de identidade e passaportes, cartas de condução e certificados de vacinação ou até em ofensas sexuais contra crianças.
Telegram uma arma global
O Telegram permite organizar e mobilizar grupos de pessoas à revelia do controlo e das regras impostas pelo Estado. Se em regimes autoritários – como os da Rússia ou da Bielorrússia – o serviço de mensagens tem dado voz às populações, em países como os Estados Unidos da América tem posto em risco a própria democracia

06/01/2021
Invasão do Capitólio
A vitória de Joe Biden (e a derrota de Donald Trump) nas eleições de novembro de 2019 acelerou a criação e a partilha de teorias da conspiração por parte de pessoas e de grupos associados à extrema-direita norte-americana. Quinze dias antes da tomada de posse do novo Presidente democrata, canais do Telegram começaram a apelar a uma revolta, com o objetivo de manter Donald Trump no poder. No passado dia 6 de janeiro, as intenções ganharam corpo nas ruas. Os manifestantes começaram a chegar à capital, Washington, na véspera do ataque. No dia seguinte, uma turba de apoiantes do ex-Presidente – supremacistas brancos, adeptos das teorias da conspiração e movimentos paramilitares – invadiu com violência o Capitólio, numa ação que culminou em cinco mortos.

24/05/2020
Protestos na Bielorrússia
Em maio de 2020, a posição do Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko (no poder há 27 anos), que insistia em desvalorizar a pandemia Covid-19, fez estalar os maiores protestos nas ruas daquele país desde o final da era soviética. Canais como o Nexta, fundado pelo jornalista e crítico do regime, Roman Protasevich, contornaram a censura de que são alvo os órgãos de comunicação tradicionais recorrendo ao Telegram – hoje, Protasevich continua em prisão domiciliária, depois de ter sido detido, no dia 23 de maio, após o avião da Ryanair onde seguia (ligando a Grécia e a Lituânia) ter sido desviado à força para Minsk, quando atravessava o espaço aéreo bielorrusso. Foi também através desta rede social que o mundo teve conhecimento das manifestações de dezenas de milhares de pessoas na sequência do anúncio dos resultados das eleições presidenciais, realizadas no passado mês de agosto, em que Lukashenko voltou a ser considerado vencedor (com 81% dos votos), na corrida com a líder da oposição, Svetlana Tikhanovskaiya (que, oficialmente, somou apenas 9% das preferências).

23/01/2021
Manifestações na Rússia
Na pátria-mãe de Pavel e de Nikolai Durov, o Telegram tornar-se-ia arma indispensável para a oposição ao regime liderado por Vladimir Putin. Com a criação de incontáveis canais pró-democracia (e pró-Ucrânia, logo em 2014, após as incursões militares russas naquele território), o Kremlin respondeu, em abril de 2020, exigindo aos responsáveis os códigos de encriptação utilizados pelo sistema de troca de mensagens. Perante a recusa do pedido, o Roskomnadzor, serviço federal de supervisão das comunicações (com plenos poderes para censurar sites, aplicações e utilizadores que não cumpram os requisitos definidos pela cúpula do regime), avançou para o bloqueio de milhões de IP de utilizadores. O serviço continuou, porém, popular no país, tornando-se um veículo para mobilizar os protestos que, em 23 de janeiro deste ano, aconteceram nas ruas de mais de uma centena de localidades russas, contra a onda de prisões que atingiram o líder da oposição Alexei Navalny e alguns dos seus mais diretos colaboradores e aliados.