Fixe estes dois nomes: morcego-rato-pequeno e águia-imperial-ibérica. Com grande probabilidade, são hoje, respetivamente, o mamífero e a ave da fauna portuguesa em maior perigo de extinção. Para este alerta vermelho, tomamos como guia o especialista Jorge Palmeirim, presidente da Liga para a Proteção da Natureza (LPN) e professor no Departamento de Biologia Animal da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O histórico do morcego-rato-pequeno (Myotis blythi), espécie assim conhecida por ter um focinho semelhante ao de um roedor, é já de si frágil. Dificilmente se distingue de outra do mesmo género, o morcego-rato-grande (Myotis myotis), bastante mais comum. “Esta dificuldade de identificação, associada à sua raridade, fez com que a presença do morcego-rato-pequeno em Portugal só tenha sido detetada há pouco mais de 40 anos”, diz Jorge Palmeirim.
Por sinal, era já, naquela altura, uma espécie com uma população reduzida, e “a situação tem vindo a agravar-se de forma preocupante”, alerta o professor universitário e ativista ambiental. No virar do milénio, em pouco mais de uma década, observou-se um declínio populacional para cerca de metade, nota o presidente da LPN. E agora, no âmbito dos estudos de preparação do próximo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal, que Jorge Palmeirim coordena, “as informações existentes indicam que a população portuguesa do morcego-rato-pequeno seja de poucas centenas, o que é um número muito baixo para uma espécie de pequeno mamífero”.
Há uma característica própria da espécie que contribui para fragilizar a sua preservação: ao contrário da maioria dos pequenos mamíferos, cada fêmea adulta de morcego-rato-pequeno dá à luz apenas uma cria por ano, “o que torna muito lenta e difícil a recuperação das suas populações em resposta a fatores que tenham, mesmo que temporariamente, aumentado a mortalidade”, explica o biólogo. Na mesma linha de vulnerabilidade, é uma espécie que está quase exclusivamente dependente de abrigos subterrâneos, com características particulares e que são bastante escassos. “Em Portugal conhecem-se apenas dois locais, ambos grutas, em que esta espécie forma colónias de criação”, informa Jorge Palmeirim.
Se as razões da grande vulnerabilidade do morcego-rato-pequeno são bastante claras, “é bem mais difícil avaliar de forma objetiva quais os fatores mais diretamente responsáveis pelo seu declínio, devido ao facto de se tratar de uma espécie muito difícil de estudar”, admite o presidente da LPN. Mas pensa-se que a utilização generalizada de inseticidas na agricultura tenha um impacto muito negativo neste morcego, que se alimenta exclusivamente de insetos. “Por um lado, os inseticidas diminuem a abundância das suas presas e, por outro, podem mesmo afetar a saúde e sobrevivência de animais que ingerem inseticidas através das presas”, esclarece.
A situação do morcego-rato-pequeno “tem vindo a agravar-se de forma preocupante”, diz o biólogo e ambientalista Jorge Palmeirim
Outros fatores que os especialistas associam ao aumento artificial da mortalidade da espécie são a perturbação dos seus abrigos, o atropelo por viaturas e a morte ao ficarem presos em arame farpado. Somando tudo o que se sabe, porém, duas medidas destacam-se para evitar, in extremis, a efetiva extinção do morcego-rato-pequeno na nossa fauna: a proteção dos abrigos da espécie, incluindo a fundamental minimização da sua perturbação, e a preservação de habitats de alimentação.
Mas Jorge Palmeirim assume que ainda estão em falta importantes estudos da “tão mal conhecida ecologia do morcego-rato-pequeno, especialmente das suas necessidades de habitats de alimentação”. E que só com aquela informação será possível tomar as medidas que se impõem para “recuperar esses habitats de que depende”.
Para piorar a situação, acrescem agora as teses que atribuem aos morcegos a origem do SARS-CoV-2, depois passado aos humanos e causador da pandemia de Covid-19, o que os estudiosos daquelas espécies contestam com veemência. Por sinal, o presidente da LPN diz que a “medida mais básica” para a preservação do morcego-rato-pequeno é a de “trabalhar no sentido de melhorar a imagem dos morcegos em geral, que tende a ser bastante negativa, dificultando a sua conservação”.
Tiros e envenenamentos
Ao contrário do morcego-rato-pequeno, a águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) é uma velha conhecida grande ave de rapina da nossa fauna. No final do século XIX, a espécie era ainda comum em boa parte da Península Ibérica.
Ao longo do século XX, porém, o seu declínio seria rápido. “Entre o final da década de 1970 e o início da de 1980 a águia-imperial-ibérica deixou mesmo de nidificar em Portugal, onde passaram a ocorrer apenas visitas esporádicas de animais vindos de Espanha, onde a espécie estava também numa situação dramática”, conta Jorge Palmeirim.
A tiro e com envenenamentos, a perseguição humana parece ter sido a principal causa do declínio progressivo da espécie. Mas, “no final, a sua extinção como nidificante em Portugal e grande parte de Espanha acabou por se dever à brutal redução das populações de coelhos, a sua principal presa, em resultado de duas doenças devastadoras, a mixomatose e a febre hemorrágica viral”, continua o biólogo.
No século XX, a águia-imperial-ibérica esteve na iminência da extinção. Agora, encontra-se sob o mesmo risco
Perante a iminência da extinção global da águia-imperial-ibérica, as autoridades e os ambientalistas atuaram. Em Espanha foram desencadeados projetos com numerosas ações de conservação, como a proteção de ninhos e o fomento das populações de presas, permitindo uma recuperação progressiva da espécie, que voltou a nidificar em Portugal, em 2003, na Beira Baixa. Também em Portugal, “começaram a ser desenvolvidas iniciativas de conservação da espécie, como o projeto LIFE Imperial, coordenado pela Liga para a Proteção da Natureza, que têm apoiado a sua progressiva recuperação no nosso território”, diz Jorge Palmeirim. “Existem hoje cerca de duas dezenas de casais que nidificam ao longo da raia, na Beira Baixa e no Alentejo”, acrescenta.
Ainda assim, é uma evidência que a situação da águia-imperial-ibérica, em Portugal, continua muito fragilizada e dependente de cuidados especiais. A receita para a salvação da nossa velha conhecida grande ave de rapina também não mudou, como sublinha o presidente da LPN. “É, antes de mais, necessário fazer uma gestão da paisagem que permita a manutenção de áreas apreciáveis de habitat favorável à espécie e às suas presas”, reitera.
E, além da instalação de plataformas de nidificação, com proteção dos ninhos em árvores, e da salvaguarda das linhas de transporte de eletricidade com sistemas que evitem a eletrocução de grandes aves, uma “medida realizável e que salvaria muitos animais”, é “fundamental a recuperação das populações de coelhos”, o que “deve envolver a colaboração de proprietários, gestores rurais e de zonas de caça”, elenca Jorge Palmeirim.
Para concluir, continua a ser preciso dizer, como o presidente da LPN sublinha, que “é crucial combater a morte intencional de grandes aves de rapina, a tiro ou por envenenamento”, ponto crítico para conseguir a recuperação da águia-imperial-ibérica e de muitas outras espécies ameaçadas da nossa fauna.