Duas crises de proporções históricas, ascensão de líderes populistas nos países mais poderosos, desvio do centro geopolítico de oeste para este, fendas no consenso económico, revolução na disseminação da informação, guerras culturais. Depois de algumas décadas em piloto automático, a convulsão ideológica parece ter regressado. Ideias destinadas a não sair de pequenos nichos conseguem, agora, fazer mexer o debate, e a era das TED Talks convive com uma atenção redobrada com as histórias que contamos sobre a forma como nos organizamos enquanto sociedade, com maior vontade de intervir no desenho de políticas públicas. Quando influencers do Instagram tiram fotos na praia a ler livros sobre o futuro da Humanidade, alguma coisa está a mudar.
A Covid-19 criou uma oportunidade de ouro para os intelectuais. Numa altura em que o impossível se tem revelado possível – países inteiros com a população trancada durante meses em casa, governos a garantirem o salário de milhões, novas tecnologias e vacinas em tempo recorde –, qualquer tentativa de se explicar o presente ou de imaginar o futuro beneficia de maior latitude. Uma distopia em que o Estado controla todos os nossos movimentos e sabe até o nosso batimento cardíaco? Não é impossível. O fim da globalização? Não falta quem ache que já está a acontecer. Novos apoios sociais universais? Porque não?
Tim Marshall
A geografia é o nosso destino
No seu primeiro grande sucesso, Prisioneiros da Geografia, o jornalista explica-nos como características geográficas por vezes ignoradas (rios, montanhas, desertos) determinam a formação de países ou de grandes fraturas geopolíticas. Da obsessão da Rússia com a Crimeia às características que tornaram inevitável a ascensão dos Estados Unidos a superpotência global. Na sua obra mais recente, ele usa o mesmo argumento para projetar o futuro, olhando para dez casos de estudo. No seu coração está obviamente a tensão EUA vs. China e o risco da armadilha de Tucídides (quando uma nova potência ameaça substituir outra, a guerra é inevitável). Contudo, Marshall não se fica pela geografia terrestre e reflete sobre os desafios da corrida ao Espaço. Nota que, enquanto não houver consenso acerca de como explorar o que está para lá da nossa atmosfera, arriscamo-nos a repetir no Espaço o que está a acontecer ao nosso planeta: luta por recursos e descontrolo na sua exploração. Este desafio entrou em fast-forward, agora que empresas privadas se tornaram centrais na corrida, com Jeff Bezos e Elon Musk na liderança. Será esse o próximo faroeste?
Uma frase:
“Se pretendermos aprender alguma coisa, temos de olhar para a História de um país, para os seus líderes políticos, as suas personalidades e ideias. Mas o que também deve ser sempre observado é a geografia”
O livro:
Prisioneiros da Geografia