Da última vez que nos víramos, estávamos numa garagem em Matosinhos, rodeados de caixas de bichos-da-farinha e não havia máscaras a taparem-nos o rosto. Dois anos depois, encontramo-nos com Guilherme Pereira, da Portugal Bugs, e a sua namorada e companheira de negócio Sara Martins, em Lisboa, e estão ambos em frente a uma prateleira de supermercado, meios embasbacados por estarem a ver os seus produtos com base em insetos a chegar, finalmente, às mãos dos portugueses.
Há um ano, Guilherme deixou a “brincadeira”, que o ocupava bastante desde 2016, depois de ter acabado o curso de Engenharia Alimentar e apreendido o conselho da FAO, quando essa organização das Nações Unidas para a alimentação recomendou os insetos como a alternativa mais conveniente à produção e consumo de gado. Como até hoje não conseguiu comercializar nem um bicho, por não haver suporte legal para isso, embora produzisse dezenas de quilos por mês, virou-se então para a transformação.
Neste momento, e apesar de Portugal ter aprovado para consumo humano sete espécies de insetos (acheta domesticus, alphitobius diaperinus, apis mellifera male pupae, gryllodes sigillatus, locusta migratória, schistocerca, gregaria e tenebrio mollitor), ainda não está legislada a produção nem a comercialização de nenhuma destas espécies de grilo, de besouro, de larvas e gafanhotos. “Falta criar mecanismos legais para regularizar as fábricas”, explica Guilherme, acreditando que isso acontecerá no início de 2022.
Porém, podem vender-se produtos derivados deles, desde que se importe a matéria-prima. A Portugal Bugs, por enquanto, é a única empresa a produzir este tipo de artigo alimentício.
Gelados, massas e hambúrgueres de insetos
Guilherme e Sara vão buscar os tenebrios – para já só trabalham com esta espécie – à Holanda, para produzirem quatro barrinhas (chocolate e amêndoa, figo e laranja, manteiga de amendoim e mel e maçã e canela), snacks com sal marinho ou pimenta-caiena (15 gramas por €4,55) e farinha (100 gramas por €9,95). Esta farinha nunca será para substituir outra de trigo ou centeio. O que se sugere é integrar cerca de 10% desta opção nas receitas comuns, como por exemplo numas bolachas de chocolate.
Os preços altos não se justificam com a complexidade do processo de fabrico (todas as espécies que comemos são produzidas em fábricas), pois necessitam de pouca água e ainda menos alimento. Mas por serem ainda raros, na Europa, são um bem bastante caro.
Vale-lhes a exportação. A Portugal Bugs já fabricou mais de 20 mil destes produtos que enviam também para países tão diversos como a República Checa, Bélgica, EUA ou Japão. O restante, vendem online, no seu site, e agora abriram este canal com o Continente.
No final deste mês, a Portugal Bugs espera que estas prateleiras aonde estão os seus produtos acomodem também dois gelados: um de framboesa com insetos e outro de amendoim feito com farinha de tenebrio. Em setembro, haverá espirais de massa proteica à base de buffalo (uma larva mais pequena) para comprar e depois entrarão no retalho hambúrgueres e almôndegas de grilo, para substituir a carne.
Há muita proteína nos bichos
De facto, os insetos são uma alternativa consistente a qualquer outra proteína animal: Cada barrinha tem entre 15 e 18% de proteína, os snacks 39 e a farinha 45 por cento. Ou seja, por cada 100 gramas de insetos, 38 são de proteína. As maravilhas nutricionais, no entanto, não se ficam por aqui. Sofia Dinis, profissional da área que acompanhou esta implementação na cadeia Continente, faz sobressair também os ácidos gordos essenciais, as fibras e as vitaminas. “O impacto ambiental é muito menor do que o de outras fontes de proteína animal”, reforça a nutricionista.
Nesta fase, que arranca quinta-feira, 5, os produtos estarão à venda no Continente online e em 10 lojas físicas (Matosinhos, Colombo, Gaia Shopping, Gaia Jardim, Telheiras, Oeiras, Vasco da Gama, Cascais, Antas e CoimbraShopping). A cadeia de venda a retalho da SONAE é a primeira a apostar nesta comercialização. E a disseminação para todos os espaços irá depender de como reagir o consumidor, defende Paula Jordão, diretora comercial do grupo. “Apostámos, desde a primeira hora, nos insetos por serem uma alternativa alimentar sustentável e nutricionalmente interessante. É uma proposta que está de acordo com as novas tendências alimentares, pois já há dois biliões de pessoas a consumi-los no mundo. No entanto, temos de avaliar qual a adesão dos nossos clientes.” Sim, porque o hábito existe essencialmente na Ásia e América do Sul. O resto do mundo, Portugal incluído, ainda anda a descobrir o que fazer com este novo alimento.
Por este lado, depois de comermos uma mão cheia de larvas da farinha amarelas e uma barrinha de manteiga de amendoim com tenebrios, só podemos acrescentar que estamos muito satisfeitos.