Seis em cada dez portugueses dizem preocupar-se com a sua saúde e bem-estar, uma preocupação que se reflete nas escolhas alimentares, diz o estudo de abril do ano passado “Have you met the new consumer?”, levado a cabo pela Deloitte. Mais, 68% dos consumidores afirmam estar dispostos a gastar mais dinheiro em produtos que não contêm ingredientes indesejáveis, onde se incluem por excelência os produtos free from lactose, açúcar ou o maldito glúten.
Não será apenas uma moda. Em 2011, um painel de especialistas internacionais admitiu a existência de outro tipo de reação à proteína do trigo, além da doença celíaca, batizando-a de «sensibilidade não celíaca ao glúten», aquilo que vulgarmente se chama intolerância. Os problemas da nova patologia são a ausência de métodos de diagnóstico e a ainda escassa literatura científica existente. Crê-se que o aumento destes casos se deva ao tipo de alimentação atual, ao excesso de comida à base de trigo, centeio e cevada (a fast food faz parte deste grupo), ao glúten que é adicionado a uma série de produtos e à má qualidade dos cereais. «Hoje comem-se mais sandes do que legumes», nota a dietista Rita Jorge.
O cardiologista americano William Davis, autor do besteseller Sem Trigo, Sem Barriga, vai mais longe: “O trigo não é o mesmo que comíamos há 50 anos. Ele é manipulado geneticamente ou, para ser mais preciso, usam-se técnicas de mutagénese química, com efeitos em quem o consome, especialmente por causa da proteína gliadina, que revelou ser um estimulante de apetite. Especulando, acho que a indústria agroalimentar descobriu isso mas, em vez de avisar os consumidores, passou a adicioná-la a toda a comida processada. Depois, as pessoas não conseguem controlar o apetite, ficam obesas e o Governo culpa-nos de sermos preguiçosos.”
Hoje, estima-se que entre a 6 a 8% da população concorde com estas afirmações e opte por não pôr nada com glúten no seu carrinho de supermercado. Porque, embora não tenha a doença celíca (descrita pela primeira vez no século I), queixa-se de sintomas similares – diarreias, gases, prisão de ventre, dores de estômago, cólicas, inchaço e fadiga – e sente-se aliviada quando deixa de lado esta proteína presente em vários cereais, como trigo, cevada ou aveia. E assim, nasceu a já identificada sensibilidade não-celíaca ao glúten, com muito impulso de algumas estrelas de Hollywood, como Miley Cyrus ou Gwyneth Paltrow.
Agora, já ninguém duvida que o pão que comemos, ou que a generalidade das pessoas comem, não tem nada a ver com o que as anteriores gerações ingeriam. Além de os agricultores usarem o controverso pesticida glifosato nos dias anteriores à colheita do trigo, os métodos que antes eram tradicionais passaram a ser químicos, recorrendo a conservantes e outros sintéticos para aumentar a durabilidade do pão e outros produtos do género. Apesar do uso destes aditivos ser considerado seguro pela americana Food and Drug Administration, a quantidade ingerida nas sociedades modernas, em que se recorre com frequência a comida processada, não estará contemplada nessa assunção de segurança. Vários investigadores associaram esses aditivos às queixas de quem sofre de perturbações gástricas. Por exemplo, um estudo recente chegou à conclusão que os emulsionantes – utilizados no pão industrial e na bolaria – podem promover inflamação intestinal, ao causarem disrupção entre o sistema imunitário e a microbioma.
Não será por acaso que assistimos, neste momento, em Portugal, a um movimento de regresso ao pão de antigamente, sem uso de aditivos, e recorrendo apenas à massa mãe, um fermento vivo alimentado de água e farinha, para dar forma aos pães, sem pressas.
O caminho será por aqui, ou por substituir as farinhas mais comuns por outras que caíram em desuso, como a espelta, por exemplo. E não tanto pelos produtos que se anunciam glúten free. Esses, para manterem as mesmas características de consistência, adicionam mais gordura e açúcares, além de conterem, também, os tais aditivos e enzimas usados pela generalidade da indústria alimentar.