Foi um dos arquivamentos mais misteriosos da história do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal, através do qual o Ministério Público averigua a criminalidade mais complexa), feito pelo procurador Orlando Figueira. Estava em causa uma queixa-crime do Estado angolano contra três empresários portugueses, a quem o Banco Nacional de Angola tinha entregue €150 milhões, mandatando-os para, com esse dinheiro, comprarem 49% do Banif, nas costas do à época patrão da instituição, Horácio Roque. A operação foi tida como uma vendetta do regime de José Eduardo dos Santos contra Roque, que havia sido um dos sustentáculos da UNITA de Jonas Savimbi.
Mas a verdade é que os €150 milhões desapareceram nas mãos dos suspeitos, sem que fosse adquirida qualquer ação do Banif em nome de Angola. O inquérito-crime seria, porém, arquivado pelo procurador Orlando Figueira, em março de 2010, após o Estado angolano, representado pelo advogado português Paulo Amaral Blanco, e aqueles três empresários terem chegado a um acordo, cujos termos nunca foram revelados.
Esta terça-feira, 23, Orlando Figueira (em licença sem vencimento desde setembro de 2012) foi detido pela PJ, para ser presente a um juiz de instrução, com vista à aplicação de medidas de coação. E o escritório do advogado Paulo Amaral Blanco foi um dos alvos das buscas também efetuadas pela Judiciária. Trata-se da Operação Fizz, que, segundo um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR), investiga “suspeitas da prática dos crimes de corrupção passiva e ativa na forma agravada, branqueamento e falsidade informática”.
Por agora, a informação disponível indicia que o procurador Orlando Figueira, enquanto esteve no ativo e no DCIAP, supostamente arquivou ou criou condições para o posterior encerramento de chamados processos angolanos, em troca de alegadas luvas superiores a €1 milhão.
Tomem lá 380 milhões
A partir de 2008, quando foi destacado para o DCIAP, o procurador Orlando Figueira (nascido em Lisboa em 1961) ficou encarregado de tutelar os processos-crime que, no essencial, resultavam de denúncias do ex-embaixador e historiador angolano Adriano Parreira, com base em informações investigadas e coligidas pelo jornalista e ativista Rafael Marques.
Um dos mais nutridos envolvia a sociedade anónima angolana Portmill, que comprara, ao BES português, 24% do BES Angola, num negócio de €254 milhões. À Portmill estavam supostamente ligados altos funcionários da Casa Militar do Presidente José Eduardo dos Santos, chefiada pelo general Hélder Vieira Dias, ou Kopelipa, também ministro de Estado. Havia suspeitas sobre a proveniência dos fundos que permitiram a compra de 24% do BESA e investigavam-se, no processo, alegados ilícitos de associação criminosa, corrupção, tráfico de influência e branqueamento. À ordem do inquérito foram mesmo apreendidos 380 milhões de dólares em ações. Mas tudo acabaria arquivado, com a devolução à Portmill do património em causa.
O procurador Orlando Figueira também andou às voltas com um processo que visava o Vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, e os generais Higino Carneiro e Leopoldino do Nascimento (assessor de Kopelipa), por supostos branqueamentos de capitais, ilícitos alegadamente praticados em Portugal. O inquérito veio mais tarde a ser arquivado. Destino igual teve o processo que investigava um enteado do Vice-Presidente angolano, Edmilson Martins, inquérito à ordem do qual estiveram apreendidas ações que detinha no banco BIG, avaliadas em €11 milhões.
O advogado português Paulo Amaral Blanco foi o defensor de todos estes protagonistas angolanos.
Saída polémica
No segundo semestre de 2012, Orlando Figueira surpreendeu tudo e todos ao pedir à PGR uma licença sem vencimento de longa duração. O Conselho Superior do Ministério Público concedeu-lha, a partir de setembro daquele ano, mas a surpresa transformou-se em polémica. Rapidamente se soube que o magistrado tinha sido convidado para trabalhar no departamento de compliance (prevenção de branqueamento de capitais) do BCP, cujo maior acionista é a Sonangol, a petrolífera estatal angolana.
O convite, esse, alegadamente partiu do banqueiro angolano Carlos Silva, tido como próximo de Manuel Vicente, e vice-presidente do Conselho de Administração do BCP. Já no banco Atlântico, Carlos Silva é presidente do Conselho de Administração. Esta instituição também foi alvo de buscas da PJ, na Operação Fizz.
No currículo que divulgou, Orlando Figueira destaca que deu formação a dois grupos de magistrados angolanos. E que, entre numerosos eventos sobre a matéria, participou na conferência internacional “Annual Forum on Combating Corruption and Fraud in the EU 2009”.