Parecia um serão com dois bons contadores de histórias.
Foi também o debate em que a palavra “povo” saiu exausta de tanto andar de boca em boca e em que as metáforas de Vitorino Silva, da amiga americana da filha à carta de condução, entraram em saldos. Talvez mais do que se esperaria, o debate entre João Ferreira e o calceteiro de Penafiel viajou por temas de sobra, da Saúde aos EUA, passando pelo 25 de Abril, o PREC, os modelos inspiradores de outros países e o omnipresente… candidato do Chega. Sempre com muitas narrativas e experiências pessoais pelo meio.
Como se adivinhava, não houve polémica, ataques rasteiros ou ruído de fundo. João Ferreira e Vitorino Silva só divergiram quanto à realização e adiamento das eleições, quando o jornalista Carlos Daniel quis saber como viam a possibilidade da requisição civil dos privados por parte do Estado para combater a pandemia e sobre os extremismos de esquerda e de direita. Bem… afinal, talvez não tenha havido assim tanto consenso, mas foi tudo tão suave e sem pedras que acabaram a pisar os mesmos caminhos sem se calcarem nem atropelarem.
Quais foram as frases do debate?
Realização ou adiamento das eleições?
Vitorino Silva
“Criaram “presos” estes meses todos, nem podiam sair no Natal, e agora vão soltá-los um dia para irem para as urnas eleitorais?“
Contexto: Fora lançada para mesa a controvérsia sobre a realização ou eventual adiamento das eleições presidenciais. A posição do PCP e do seu candidato é conhecida: a democracia não está suspensa nem o País vai parar. De resto, quando se falou dos riscos de novo confinamento para a Economia, João Ferreira foi taxativo: “Não há confinamentos gerais. Mesmo no período do confinamento que vivemos em março e abril, houve milhares de trabalhadores que nunca se confinaram. De outra forma não chegariam às prateleiras dos supermercados todos os dias aquilo de que necessitamos”, explicou. “Tino” pediu prudência quanto à realização de eleições e lembrou que os idosos são o maior património do País. Enquanto isso, aguarda um convite para estar na próxima reunião com os especialistas no Infarmed. “Se calhar, não têm o meu contacto…”.
Requisição civil dos privados na Saúde
João Ferreira
“[Há] indisponibilidade da parte dos privados em arcar com tudo aquilo que seja mais complicado, com tudo aquilo que não assegure perspetivas de lucro.“
Contexto: “Tino” não conseguiu disfarçar o sorriso de satisfação quando o seu adversário relatou uma visita recente ao Hospital de Penafiel, concelho de nascença do calceteiro. João Ferreira usou aquela unidade de saúde como exemplo de uma situação dramática de falta de recursos e equipamentos a que os privados não acudiram. Segundo o candidato, quando esteve sob “enorme pressão”, o Hospital de Penafiel esbarrou na “indisponibilidade” daqueles que “fazem negócio com a doença”. Ora, para Vitorino Silva a questão é mais simples: “Se o Estado não consegue salvar vidas – e as vidas não têm preço – e os privados estão ali ao lado…”, há que resolver, sugeriu. “Os privados têm de ter lucro”.
A este propósito deu como exemplo a sua doença na coluna e os “dois ou três adiamentos” que lhe foram comunicados pelo hospital, pois, por esta altura, já esperava ter o problema resolvido. Quando João Ferreira deu como exemplo o facto de os EUA, “a maior economia do mundo”, não terem um SNS e serem, no momento, o país com mais mortes por covid-19, “Tino” aproveitou a deixa para falar da “amiga americana” da filha que partiu o tornozelo numa visita a Portugal e entrou em pânico quando viu a ambulância a chegar. “Se fosse lá, pagava uns 5 mil euros…”.
O modelo de País e a ameaça extremista
Vitorino Silva
“Eu comparo muito a Constituição à carta de condução (…) Serei o presidente de todos os portugueses. Até do André Ventura.“
Contexto: Tudo começou com uma pergunta de Carlos Daniel sobre o modelo de País que João Ferreira importaria. Hábil, o candidato comunista contornou o desafio, lembrando que o seu modelo é “o Portugal de Abril” da Constituição que continua por cumprir. “Nunca tive essa ansiedade de procurar modelos para importar”, justificou. Vitorino Silva recorreu então a uma das suas últimas metáforas: pode ser um problema de binóculos, admitiu. “Há pessoas que pegam em binóculos e pensam que estão a ver longe e estão a ver ao contrário”, disse o operário que nunca procurou outro modelo que não fosse Portugal.
Entretanto, os extremismos vieram à baila. Para “Tino” tocam-se, mas João considera a comparação “grotesca”. Vitorino suavizou: “Eu não tenho nada contra o Partido Comunista”, assumiu, trazendo à liça a figura que foi a sua referência política: “O Neca, o homem que me levou a pôr Rans no mapa, era comunista”. Caso fosse eleito Presidente da República e estivesse perante um cenário de um Governo que incluísse o Chega, o candidato João Ferreira levaria ao limite os poderes constitucionais e “tudo faria” para impedir que aquela força política tivesse essa influência. Já Vitorino Silva segue a mesma linha que penaliza as transgressões de trânsito. A Constituição é para cumprir, tal e qual as regras da estrada. É como ter carta de condução, comparou. Por isso, daria posse a um Governo que incluísse o Chega. “Se for eleito serei o Presidente de todos os portugueses. Até do André Ventura…”.