Há encontros amorosos com menos sorrisos do que o debate entre Luís Montenegro e Rui Rocha. Aqueles 25 minutos nunca tiveram um momento de verdadeiro choque de ideias e propostas. Resumindo, um dizia “queremos chegar aqui” e o outro respondia “nós também, só um tudo-nada mais depressa”.
Não há aqui grande surpresa. A AD tem na IL o seu aliado natural, se o resultado das eleições lhes permitirem coligar-se para obterem uma maioria absoluta (o que deverá ser muito improvável, dadas as sondagens), e a postura de Rui Rocha no caso Spinumviva tem sido desenhada a régua e esquadro para não queimar pontes com Montenegro. Aliás, quando o assunto foi trazido à mesa por Hugo Gilberto, o moderador, o líder da IL quase pareceu ajudar Luís Montenegro a fugir à pergunta.
Essa atitude de Rui Rocha foi clara desde o início, quando, ao caber-lhe a primeira pergunta sobre uma possível aliança pós-eleitoral, respondeu com o “compromisso com a estabilidade” defendido pela IL, realçando que o País não vai para eleições por alguma malfeitoria ética do primeiro-ministro, mas sim devido à forma como Montenegro geriu o caso, deixando-o crescer em vez de o enterrar rapidamente, explicando o que havia para explicar logo no início.
Estabilidade foi também uma palavra dita e repetida por Luís Montenegro na sua primeira intervenção. “Queremos estabilidade económica e financeira, condições para atrair investimento externo, para que os nossos jovens não precisem de emigrar.” Acenando com o “desempenho económico acima da média” e, claro, com “a estabilidade”, o líder da AD garantiu que “quase todos os partidos concordam com as linhas orientadoras do governo”. Rui Rocha respondeu com sorrisos amigáveis (e não com os sorrisos sarcásticos habituais nestes debates), incentivando Montenegro a asfaltar a estrada para que ambos possam vir a fazer uma futura viagem sem sobressaltos. “Temos uma boa convergência em várias matérias e algumas divergências”, disse o primeiro-ministro. “Somos defensores de que o Estado continue a ter as suas funcões soberanas e a garantir a quem precisa os serviços públicos essenciais, ao contrário da IL, que acha que o privado resolve tudo.”
Os minutos seguintes seguiram a mesma linha, ainda que, até porque era suposto ser um debate, ambos se tenham esforçado por vincar as diferenças. Rocha acusou Montenegro de ter abandonado as reformas em geral e falhado na Saúde em particular, puxando da carta “Na visão da AD, o SNS é o centro do sistema, na da IL, os utentes são o centro do sistema”. “Hoje os portugueses têm de esperar que o SNS falhe para irem para outra solução”, disse, sublinhando que a IL defende um sistema em que o SNS mantém um “papel fundamental”, mas com outras opções (privadas) complementares, de modo a que todos tenham acesso a uma saúde de qualidade, e não só quem tem ADSE ou poder financeiro.
Em resposta, Montenegro disse que o que o separa de Rocha é que não abdica “do SNS como trave-mestra” na Saúde, “acusando” ainda a IL de não ser suficientemente liberal, por não ter votado a favor do “primeiro Orçamento do Estado que não aumenta impostos” e isenta de taxas “os bónus de produtividade”. “Quem falhou ao liberalismo foi a IL.” O único destaque de monta, nesta fase, é a sensação que deixou de que a ministra da Saúde não vai ser reconduzida. Para já, está nas listas de deputados; “depois tomaremos as nossas decisões”.
Na questão dos impostos, Rui Rocha criticou o que diz ter sido uma “descida muito ligeira”. “Não é isso que se espera depois de oito anos de governação socialista”, disparou, antes de dar um toque na retenção do IRS, que tem deixado tanta gente desagradavelmente surpreendida. “É bom para as pessoas a diminuição na retenção na fonte, que tenham mais dinheiro no bolso. Mas agora percebem que os impostos desceram pouco ou nada.”
A conversa seguiu para as generosas propostas da AD, face à situação internacional. Montenegro assegurou estar a “moderar as propostas” devido a essa instabilidade, mas logo se valeu de um lugar-comum, assegurando ter “confiança na economia portuguesa e nos empresários” para ultrapassar as dificuldades.
Um dos poucos ataques (relativamente) a sério veio de seguida, com Rui Rocha a acusar o Governo de “estar cada vez mais parecido com o PS” (“Nada disso”, interrompeu Montenegro, fingindo-se magoado), por ter optado por “ajustamentos” em vez de reformas. “Alguém fazia barulho e o Governo passava o cheque.”
Nos últimos minutos de cavaqueira, o moderador perguntou a Luís Montenegro se sentia que devia um pedido de desculpas pelo caso Spinumviva. “Devo é capacidade de trabalho para cumprir a minha missão”, esquivou-se o primeiro-ministro, tentando passar a conversa novamente para os impostos. Rui Rocha pareceu satisfeito com a (não) resposta do companhei… adversário de debate, mas Hugo Gilberto voltou à carga: “Teria feito alguma coisa diferente?” Montenegro admitiu que sim, mas garantiu que “nenhuma decisão na esfera pública foi inquinada”.
Rocha estava lá para ajudar. “Tentando colocar-me na situação de Luís Montenegro, teria terminado o tema mais cedo”, disse, antes de voltar ao que mais pode unir os dois partidos. “Está a AD em condições de garantir a estabilidade?” Montenegro agradeceu a deixa: “Votar na AD evita o regresso do socialismo.”
E ambos pareceram satisfeitos. Até já, Rui, foi um prazer. Até já, Luís, o prazer foi meu.
O amor está no ar
Luís Montenegro: “Temos uma boa convergência em várias matérias e algumas divergências.”
O gancho
Rui Rocha: “Queremos acelerar Portugal.”
A chalaça
Luís Montenegro: “Quem falhou no liberalismo foi a IL.”
Não, desliga tu
Rui Rocha: “Se Luís Montenegro confia em Portugal, a IL confia ainda mais.”