Existe mais perceção de corrupção do que corrupção? O estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos não consegue responder a essa pergunta, mas dá-nos um retrato do que os portugueses pensam ser um fenómeno comum na sociedade e mais ainda quando se trata de futebol e Política.
A corrupção está em todo o lado
Na verdade, as conclusões deste barómetro revelam que “em média, os participantes acreditam que todas as esferas da vida social avaliadas são, pelo menos, medianamente corruptas”. Quando se lhes pede, porém, para indicar quais aquelas em que acreditam serem mais permeáveis a esta prática, as respostas incidem em primeiro lugar no futebol, seguido dos partidos políticos, das autarquias e do Governo.
Para se ter uma ideia, a escala usada é de 0 a 10 e a média das respostas que apontam os clubes de futebol como vulneráveis à corrupção é de 8,1; para os partidos e autarquias é de 7,5 e para o governo é de 7,3. Já os bancos, e apesar de todos os escândalos que têm sido conhecidos nas últimas décadas, ficam-se pelos 6,5, abaixo das sociedade de advogados com 6,9.
Os políticos são de desconfiar, mas a Democracia é a solução
Os políticos continuam a ser os maiores alvos de todas as suspeitas, já que “os resultados indicam que, em média, os participantes concordam que a política só atrai pessoas que procuram obter benefícios particulares às custas do bem comum (M = 6,7) e que até as pessoas honestas se deixam corromper quando ocupam um cargo de poder (M = 6,2)”.
Apesar disso, quem respondeu ao inquérito não vê a resposta para este problema num regime autoritário. Pelo contrário, associam a Democracia a uma maior transparência e possibilidade de combate à corrupção.
“Os inquiridos consideram que um país que tenha um líder forte que não tenha de se preocupar nem com o parlamento nem com as eleições é mais vulnerável à corrupção do que um país democrático ou do que um país onde são os especialistas, e não os políticos eleitos, a tomar as decisões”, lê-se no estudo a que a VISÃO teve acesso.
Ideias e programa são o que mais conta na hora de votar
De resto, a preocupação com a corrupção não se sobrepõe às questões ideológicas e programáticas na hora de votar. Quando é pedido aos participantes no estudo que ordenem por ordem de importância as características que os fazem escolher um candidato em detrimento de outro, é o seu pensamento político e não as suas características pessoais que aparece à cabeça. O género é a última coisa tida em linha de conta e a integridade é a segunda, atrás da ideologia.
“Desta análise resulta que os atributos mais importantes para a determinação a probabilidade de votar num candidato são a orientação ideológica (24,2%), seguida da integridade (20,3%) e da capacidade de compromisso (16,6%)”, conclui o estudo.
Os portugueses não acreditam na meritocracia
Os portugueses parecem desconfiar da ideia de mérito. Acreditam que o sucesso está acima de tudo dependente das relações sociais, mais até do que da promiscuidade entre política e negócios.
A maioria acredita que para se considerar que houve corrupção tem de se ter praticado um ato ilegal.
“Em média, os inquiridos concordam que, em Portugal, se quisermos subir na vida, é importante conhecer as pessoas certas (M = 7,9) e, em menor medida, que só se fazem bons negócios se tivermos ligações políticas (M = 6,7)”, lê-se nas conclusões do trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Cunhas e portas-giratórias desvalorizadas
Mas o que é afinal a corrupção? A maioria acredita que para se considerar que houve corrupção tem de se ter praticado um ato ilegal. E cai por terra a ideia de que a maioria está disponível para aceitar um corrupto que roube mas faça.
“Por um lado, em média, os participantes concordam que um comportamento tem de ser ilegal para ser considerado corrupto (M = 6,1). Por outro lado, não concordam que, se o resultado de uma ação for benéfico para a população em geral, não se trata de corrupção (M = 4,3), sendo esta diferença estatisticamente significativa”, indica o barómetro.
A maioria identifica como corrupção no abuso de informação privilegiada para benefício de terceiros (M = 8,6) e no puxar de cordelinhos (M = 8,3). Mas as cunhas não são tão valorizadas como atos de corrupção. “Os cenários que suscitam maior complacência são os da cunha (M = 5,1) e os das portas giratórias (M = 6,7)”, nota-se no estudo.
“A maioria das pessoas tem uma definição legalista da corrupção, o que poderá levar a excluir o rótulo de corrupção de um conjunto de comportamentos e práticas legais, mas eticamente censuráveis”, alertam os investigadores na análise dos dados.
Megaprocessos são parte do problema
O estudo mostra que “o combate à corrupção é avaliado como ineficaz” pela maioria dos inquiridos, mas não é a falta de meios a principal causa dessa ineficácia.
“Quando questionados sobre a ineficácia da justiça no combate à corrupção, os inquiridos apontaram mais frequentemente a existência de megaprocessos demasiados complexos e intermináveis (71,9%), seguida da existência de demasiadas opções de recurso (43,4%) e da dificuldade em provar os atos de corrupção (28,5%)”, lê-se no trabalho coordenado por Luís Sousa e Susana Coroado.
Curiosamente, os cidadãos estão dispostos a arcar com as culpas da persistência de fenómenos de corrupção. “À pergunta ‘quem é o principal responsável pela ineficácia do combate à corrupção?’, mais de um quarto dos entrevistados afirma ser a sociedade como um todo (26,0%) e o governo (25,5%)”, revela o barómetro.
Segundo o estudo, “os meios de comunicação tradicionais — a televisão (63,7%) e a imprensa escrita e online (55,2%) — continuam a ser, de longe, as fontes de informação mais importantes para a formulação de opiniões sobre a corrupção em Portugal, mesmo para as faixas etárias mais jovens”, aparecendo as redes sociais “apenas em quinto lugar (9,9%) em todas as faixas etárias, sendo o Facebook e o Instagram as mais utilizadas”.
“Conhecer o fenómeno social”
Mas será que estudos que medem a perceção do fenómeno da corrupção sem ser possível perceber a que ponto essa perceção corresponde à realidade estão a alimentar o populismo? “Enquanto académico não tenho de responder à forma como o partido A ou B responde a estes resultados. Tenho de ter rigor a recolher os dados e a tratar os dados”, responde à VISÃO o investigador Luís Sousa, notando a dificuldade que há em medir a realidade da corrupção.
“Os nossos estudos não estão a medir a realidade, mas as estatísticas [sobre crimes] também não, estão a medir que o sistema consegue detetar e eventualmente julgar”, declara o académico.
Para Luís Sousa, a grande mais-valia deste tipo de estudos é “conhecer o fenómeno, que é um fenómeno social” e também entender como as pessoas interagem com ele e como o definem.
O investigador nota que “só muito recentemente se fazem estudos sobre a perceção deste fenómeno” e defende que seria interessante repetir este barómetro para entender qual a evolução dessa perceção, já que os dados que existem mostram que “temos [em Portugal] uma perceção das mais altas da Europa e sistematicamente alta”.
O universo do estudo é composto pelos residentes em Portugal continental, com 18 ou mais anos, falantes de língua portuguesa, com telefone da rede fixa ou acesso à internet. Foram feitas 1101 entrevistas completas e validadas, das quais 626 através de inquérito online e 475 através de chamada telefónica, correspondendo a um erro máximo amostral de 3% (para um nível de confiança de 95%).