O último debate televisivo das legislativas entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos tinha um ruído de fundo indisfarçável. À porta do Teatro Capitólio, em Lisboa, centenas de forças de segurança manifestavam-se, exigindo que PSP e GNR recebessem o mesmo subsídio de risco que o Governo de António Costa tinha dado à PJ. Nesse momento, Pedro Nuno foi duro contra “a coação” de protestos que ameaçavam subir de tom. “Não se negoceia sob coação”, avisou o socialista. Luís Montenegro, que não se tinha apercebido da dimensão do protesto que se desenrolava lá fora, deu esperanças aos polícias.
“A mensagem é muito direta. Nós concordamos com a reivindicação que os polícias portugueses têm relativamente a uma injustiça que foi criada por este Governo”, disse, prometendo que, se fosse eleito primeiro-ministro, a sua prioridade seria a de iniciar um processo negocial “ato imediato” para “reparar esta injustiça”.
Uma promessa cumprida
A promessa foi cumprida. Montenegro, vitorioso das eleições de 10 de março, tomou posse a 2 de abril e dez dias depois a sua ministra da Administração Interna (MAI), Margarida Blasco, estava a ter a primeira reunião com os sindicatos e a anunciar uma data de arranque para as negociações.
Esse primeiro encontro com 12 associações representativas das forças de segurança no MAI durou duas horas. No final, um comunicado emitido pelo gabinete de Margarida Blasco dava conta de que a ministra “transmitiu aos representantes a sua disponibilidade para ouvir todos, receber os contributos de cada uma das entidades e iniciar, com a brevidade possível, o respetivo processo negocial”.
Os sindicalistas saíram do Terreiro do Paço com um calendário para iniciar o processo negocial a 22 de abril. Mas, como dizia na altura ao jornal Público o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, Paulo Santos, “sem nada de palpável para mostrar aos polícias”.
Aos jornalistas Blasco foi insistindo na ideia de que os problemas das polícias “não são só o subsídio de missão” e recusou sempre comprometer-se com valores.
Programa eleitoral da AD não se comprometia com valores
De resto, Luís Montenegro passou toda a campanha apontando o dedo à “injustiça” criada pelo Governo de Costa, mas sem nunca se comprometer de forma clara em equiparar o montante que queria atribuir à PSP e à GNR com o que está a ser recebido pela PJ.
A promessa que constava no programa eleitoral da AD era apenas a de “encetar, com caráter prioritário, um processo de valorização profissional e remuneratória dos homens e mulheres que servem nas forças e serviços de segurança”.
Uma proposta que deixou um sindicalista “abananado”
A 2 de maio, os sindicalistas saíram desiludidos de mais uma reunião com Margarida Blasco. “Sentimo-nos extremamente injustiçados com este pontapé de saída. É uma proposta que não chega sequer a ter dignidade para ser uma proposta tendo em conta aquilo que foram semanas e meses de discussão em torno de uma questão de reparação de dignidade – de um valor que foi graduado para determinados polícias e que não foi para nós”, disse aos jornalistas o presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícias, Bruno Pereira.
A proposta do Governo, que o presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG), César Nogueira, disse tê-lo deixado “abananado”, era de um aumento de 75 euros para PSP e GNR.
A reunião que fez três sindicatos sair da negociação
Apesar disso, as conversas continuaram até, no dia 4 de junho, Margarida Blasco ter apresentado uma proposta que foi lida por alguns sindicalistas como um ultimato e que levou três os sindicatos da polícia a abandonar as negociações.
O que Blasco ofereceu, então, é o que se mantém em cima da mesa: um aumento de 300 euros de forma faseada. “Quando saímos da sala a ministra deu a entender que ou aceitávamos os 300 euros pagos de forma faseada ou a tutela avançava unilateralmente com a proposta anterior, de apenas 230 euros”, explicou na altura ao Público o dirigente sindical Armando Ferreira, do Sindicato Nacional da Polícia (Sinapol).
Negociação suspensa
Apesar de os sindicalistas terem sentido estar perante um ultimato, o processo negocial não ficou encerrado em junho, porque a plataforma de sindicatos que representa os polícias requerer uma reunião suplementar.
Depois disso, o Governo não voltou a agendar mais nenhum encontro negocial, mas as negociações devem retomar agora, numa altura em que o Chega vai levar à Assembleia da República uma proposta para um aumento de 400 euros, justamente o valor pelo qual se têm batido os sindicatos.
Os avisos de Montenegro aos polícias e ao país
Dois dias antes do plenário para o qual André Ventura convocou os polícias, exortando-os a manifestarem-se não só à porta do Parlamento, mas a estarem também presentes nas galerias do público, Luís Montenegro aproveitou o discurso de encerramento das jornadas parlamentares do PSD para deixar um aviso claro: o Governo não vai acrescentar “nem mais um cêntimo” à proposta do aumento de 300 euros.
Luís Montenegro, na prática, balizou o que os polícias podem esperar da negociação com o MAI: “Estamos disponíveis para acertos no acordo, não nos valores”.
A estratégia é agora a de explicar que esse aumento “é muito dinheiro” para os polícias. “Em 14 remunerações, são 4200 euros anuais”, disse Montenegro, lembrando que “alguns profissionais ganham pouco mais de 1100 euros”, pelo que ganhariam assim “mais quatro vencimentos num ano”.
Mas o primeiro-ministro quer também que os restantes portugueses, numa altura em que se acumulam as reivindicações em vários setores, percebam “o esforço medonho” feito pelo Governo para conseguir dar este aumento às forças de segurança.
“O Governo não pode perder a autoridade de se preocupar com toda a sociedade”, disse Montenegro, evocando os fantasmas do “pântano de Guterres” e do “caos de Sócrates” para acenar com o perigo de uma bancarrota caso todas as reivindicações fossem atendidas.
“Não estou disponível para trazer de volta a instabilidade financeira e o sofrimento para todos só para cumprir o interesse particular de alguns”, disse, num discurso que marca uma mudança clara face ao tom que tem adotado em relação aos polícias.