Não sobrou nem uma única suspeita. O juiz de instrução do caso de (alegada) corrupção na Madeira reduziu a pó todas as suspeitas apresentadas pelo Ministério Público, considerando não “existirem nos autos indícios, muito menos fortes indícios” do que quer que pudesse constituir um crime. No despacho que não aplicou qualquer medida de coação aos três arguidos – Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia -, a que a VISÃO teve acesso, o juiz Jorge Bernardes de Melo desmontou a indicação das procuradoras do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
Logo no início, o juiz de instrução decidiu anular o depoimento da testemunha João Castro Fino, secretário regional de Esquipamentos e Infraestruturas. Ouvido nesta qualidade, a 24 de janeiro, dia da operação da Polícia Judiciária na ilha, esta audição aconteceu, como realçou Jorge Bernardes de Melo, sem autorização da Assembleia Legislativa Regional. Isto porque, explicou, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira impõe que (artigo 64º) os “membros do governo regional não podem, sem autorização da Assembleia, ser jurados, peritos ou testemunhas, nem ser ouvidos como declarantes, peritos ou testemunhas”.
Uma das suspeitas colocadas em cima da mesa pelo MP passava pela relação entre os patrocínio da empresa Sociocorreia para a equipa de rally de Pedro Calado, ex-presidnete da Câmara do Funchal, e adjudicações de obras públicas. Nas declarações que prestou, o empresário defendeu a normalidade destes apoios, acrescentando ter já patrocinado outros pilotos. A este respeito, sentenciou o juiz de instrução, “no requerimento da apresentação de arguido(s), o Ministério Público não individualiza um qualquer contrato, um que fosse, que tivesse sido adjudicado ao Grupo Socicorreia e/ou a qualquer outra sociedade comercial ligada a Custódio Correia, como contrapartida de tais patrocínios”.
A relação demasiado próxima entre políticos e empresários locais foi outra pedra de toque da indicação das procuradoras do DCIAP, descrevendo uma suspeita de que Pedro Calado teria beneficiado de uma borla para o seu casamento no Hotel Savoy Palace, propriedade de Avelino Farinha, a 27 de março de 2021, “em resultado da relação muita estreita” que ambos mantinham.
Em interrogatório, o ex-autarca do Funchal negou, dizendo ter “previamente” solicitado um orçamento para o evento. O juiz diz ter encontrado “suporte de prova” para estas declarações nos documentos recolhidos pela investigação. Pedro Calado acrescentou ainda ter pago o serviço, o que foi corroborado por Avelino Farinha. O juiz recuperou ainda o depoimento de um diretor do hotel, Rui Sousa, no qual este responsável nunca fez “alusão a que o arguido Pedro Calado alguma vez tivesse beneficiado de algum tratamento de favor ou de algum desconto nesta unidade hoteleira”.
Quanto às prendas oferecidas pelo empresário de Braga – garrafas de vinho, whiskey, entre outras – sobretudo na época do Natal – Jorge Bernardes de Melo referiu “não se mostrar indiciado, muito menos fortemente indiciado” que tal comportamento fosse levado a cabo “com o propósito de obter adjudicações para a Sociocorreia”. Socorrendo-se de depoimentos de testemunhas ouvidas no processo, o juiz de instrução recordaria que as prendas até acabavam por ser distribuídas por funcionários das secretarias regionais e outros colaboradoras.
Quanto ao caso da construção do Hospital Universitário da Madeira – cujo concurso público o Ministério Público considerava ter sido feito à medida do grupo empresarial de Avelino Farinha – o magistrado judicial comparou o teor de um conjunto de emails trocados entre um engenheiro do Grupo AFA, Marinho Oliveira, com Pedro Calado, que indiciavam concertação entre ambos, com os documentos do procedimento. “Resulta do anúncio de procedimento (…) que os critérios de adjudicação definidos nada têm a ver com aqueles a que o Engenheiro Martinho Oliveira fez referência no e-mail”, escreveu o juiz.
No que diz respeito aos envelopes com dinheiro, encontrados na posse de familiares de Pedro Calado, o juiz nem sequer abordou o assunto, porque o Ministério Público não indiciou o crime de fraude fiscal a nenhum dos arguidos. Só nas alegações, após os interrogatórios, é que a procuradora do DCIAP abordou o tema. Jorge Bernardes de Melo deixou também cair o crime de branqueamento de capitais, porque não estando indiciados quaisquer crimes precedentes, este último não subsiste por si só.
O Presidente da República, Marcelo rebelo de Sousa, que recebe esta sexta-feira o representante da República na Madeira, Irineu Barreto, recusou-se a comentar a atual situação poluto-judicial na ilha.
Em declarações aos jornalistas, indicou que irá ouvir a opinião do representante em relação ao governo regional que está em gestão. O poder de dissolução é do Presidente da República, mas Marcelo lembra que “não tem esse poder até 24 de março”.
Marcelo Rebelo de Sousa admitiu a possibilidade de falar de justiça “no abstrato” numa sessão a decorrer no próximo dia 21 de março por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril.