As três juízas desembargadoras que – esta quinta-feira – revogaram a decisão do juiz Ivo Rosa, em abril de 2021, pronunciando José Sócrates por crimes de corrupção. deixaram no acórdão, a que a VISÃO teve acesso, várias críticas ao antigo primeiro-ministro e às declarações por si prestadas durante o processo. Para as magistradas Raquel Lima (retarora do acórdão), Micaela Freitas e Madalena Caldeira, José Sócrates teve em tribunal “uma postura como a de alguém que conforma a sua vida segundo a sua própria vontade e visão”. “O arguido faz um relato da sua vida desajustado da realidade”, concluíram.
Sobretudo na fase de instrução, perante o juiz Ivo Rosa, recorde-se, José Sócrates procurou justificar os seus gastos ora como empréstimos do seu amigo Carlos Santos Silva, ora como dinheiro que a mãe tinha num cofre, ora ainda com empréstimos bancários. As desembargadoras fizeram as contas, concluindo que “do valor total que existia na esfera de Carlos Santos Silva, de forma direta ou indireta, através de entregas em numerário, pagamento de despesas e aquisição de imóveis, chegaram ao arguido José Sócrates cerca de oito milhões de euros”. Este montante, inclui a compra do apartamento em Paris, levantamentos em numerário, a compra do Monte das Margaridas para a ex-mulher Sofia Fava, pagamentos de viagens, etc.
“Como é possível ao arguido José Sócrates proceder ao pagamento destas despesas de milhões de euros?”, questionaram as juízas desembargadoras, dando de imediato a resposta: “Usando dinheiro que, embora formalmente estivesse em contas tituladas pelo arguido Carlos Santos Silva, lhe pertencia”. “Ninguém gasta milhões que não lhe pertencem”, sublinharam as magistradas.
Recordando algumas das explicações do antigo primeiro-ministro – como a que disse que Carlos Santos Silva “é um homem de posses” e ele “é um pobre provinciano que andou na política durante uns anos” ; ou a alegação de um empréstimo pessoal contraído junto de Carlos Santos Silva na ordem dos 500 mil euros – as desembargadoras consideram que estas mais não passaram de uma “única tentativa possível de procurar conciliar a vida” de José Sócrates “e os seus gastos excessivos” com o “saldo (manifestamente insuficiente) da sua conta bancária”.
“Os valores em causa, a sua ocorrência sucessiva, a disponibilidade do arguido que quis passar para o tribunal como algo de natural e comum, fazendo afirmações de espanto quando confrontado com tais factos, facilitam a conclusão que é retirada na acusação”, continuaram as juízas”. “Os indícios de que não se trata de qualquer empréstimo, mas de uma camuflagem da verdadeira titularidade do dinheiro só necessária atenta a origem ilícita do mesmo parecem-nos incontornáveis”, finalizaram Raquel Lima, Micaela Freitas e Madalena Cerqueira.
Segundo o acórdão, o antigo primeiro-ministro, entre 2005 e 2011, vai também responder em julgamento por três crimes de corrupção, 13 de branqueamento e seis de fraude.
José Sócrates, 66 anos, foi acusado no processo Operação Marquês pelo MP, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, em 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o antigo governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.
Carlos Santos Silva vai a julgamento por um crime de corrupção passiva de titular de cargo político para atos ilícitos, em coautoria com o antigo primeiro-ministro José Sócrates, e por um crime de corrupção ativa para atos ilícitos, desta vez em coautoria com os arguidos Joaquim Barroca, José Ribeiro dos Santos e as sociedades LEC SA, LEC SGPS e LENA SGPS relativamente ao arguido Luís Marques.
Carlos Santos Silva, apontado pelo MP como o “testa de ferro” de José Socrates, segue ainda para julgamento para responder por 14 crimes de branqueamento de capitais, em coautoria com arguidos como Sócrates, Joaquim Barroca (do grupo LENA), Ricardo Salgado (ex-presidente do BES/GES), Hélder Bataglia (empresário), José Paulo Pinto de Sousa (primo de Sócrates) e Armando Vara (antigo ministro), entre outros arguidos.
Carlos Santos Silva vai responder igualmente em julgamento por sete crimes de fraude fiscal qualificada (de elevado valor), tendo como beneficiário em todos os crimes José Sócrates e outros arguidos em alguns destes ilícitos.
O acórdão refere que Sócrates é acusado de um crime de corrupção passiva de titular de cargo político em coautoria com o arguido Carlos Santos Silva, de um outro relativo “a atos praticados no interesse do arguido Ricardo Salgado, relativamente a negócios do grupo Portugal Telecom e Grupo Espírito Santo” e um terceiro crime de corrupção passiva de titular de cargo político, em coautoria com o arguido Armando Vara.
Quanto aos 13 crimes de branqueamento de capitais são todos em coautoria com arguidos, entre os quais Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca, Ricardo Salgado, Hélder Bataglia, Armando Vara, Rui Horta e Costa e Sofia Fava.