Apesar de o Tribunal da Relação de Lisboa ter decido, em março de 2023, conceder mais prazos a José Sócrates para contestar eventuais nulidades da decisão que o levou a julgamento (em abril de 2021), a juíza de instrução Carla Marinho Pires declarou, esta semana, que não há nada para decidir.
Esta decisão abre a porta a que o julgamento do antigo primeiro-ministro e do amigo Carlos Santos Silva – pronunciados pelo juiz Ivo Rosa por crimes de falsificação de documentos e branqueamento de capitais – possa, de facto, iniciar-se, ainda que, segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, os arguidos tenham 120 dias para recorrer. Para o final deste mês, está prevista a revelação de um novo acórdão do TRL, que irá decidir se arguidos como Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, entre outros, cujas suspeitas foram arquivadas, serão ou não julgados por corrupção.
O que está em causa? Em março de 2021, o TRL, num acórdão relatado pelo desembargador João Abrunhosa, decidiu que José Sócrates teria direito a 90 dias para contestar nulidades da decisão instrutória e mais 120 para recorrer, caso o juiz de instrução as indeferisse.
O problema é que esta decisão surgiu quase dois anos após o juiz Ivo Rosa ter decidido pronunciar José Sócrates e Carlos Santos Silva para julgamento e arquivar a restante parte da Operação Marquês, ao mesmo tempo que – por um lado – o Ministério Público tinha recorrido da tal parte arquivada (não pronúncia) e, tal como Sócrates e Santos Silva, contestado a alteração da narrativa feita pelo juiz Ivo Rosa à acusação, transformando o amigo do antigo primeiro-ministro em corruptor ativo e não passivo, como o MP o descrevia.
Certo é que, entre novembro e dezembro, as defesas de Carlos Santos Silva e José Sócrates entregaram no J2 do Tribunal Central de Instrução Criminal os respetivos requerimentos a contestar eventuais nulidades da decisão de Ivo Rosa.
Esta semana, a juíza Carla Marinho Pires, simplesmente recusou decidir, afirmando que o que o tal acórdão do TRL de Março de 2021 apenas prorrogou prazos “para recorrer e arguir nulidades e irregularidades” da decisão instrutória e não “se a decisão é recorrível ou passível daquelas arguições”.
Isto é, uma coisa é ter prazo para contestar nulidades, outra é se as mesmas são passíveis de serem contestadas. “A admissibilidade de tais pretensões há-de decidir-se se” se os arguidos interpuserem recursos ou arguirem irregularidades ou nulidades.. Tal entendimento pode fazer com que, mesmo que os arguidos apresentem recurso, a juíza não os aceite, porque não há nada para recorrer.
Sendo assim, prosseguiu a magistrada judicial, “entende-se não ser a decisão passível de arguição das acima referidas nulidades/irregularidades, por estas já terem sido apreciadas por este tribunal, mostrando-se assim esgotado o poder jusrisdicional deste tribunal”, concluiu a magistrada.
José Sócrates foi acusado no processo Operação Marquês pelo MP, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, em 09 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar José Sócrates de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.