Mais do que surpreendido, Gonçalo Barral, 43 anos, engenheiro do Ambiente, ficou “bastante incomodado”, como conta à VISÃO, com telefonemas que recebeu de elementos da Junta de Freguesia da Penha de França, em Lisboa, em que o PS tem a maioria, numa espécie de “assédio pré-assembleia” em que se inscrevera para falar no “período de intervenção do público”. A 24 de junho último, véspera da referida assembleia de freguesia, uma “assistente” da junta ligou para o telemóvel de Gonçalo Barral, a solicitar-lhe que “detalhasse” a sua intervenção. No dia seguinte, data da sessão, recebeu novo telefonema de “alguém” da junta, para o mesmo efeito.
“Parecia que estavam a tentar evitar a minha intervenção”, comenta agora o engenheiro do Ambiente, que diz não ter facultado o seu número de telemóvel à junta. Como o obtiveram é para ele um mistério, ao qual seguiu-se outro: pelas quatro da tarde do dia da assembleia de freguesia – e apesar de, como garante, não ter revelado o teor da sua intervenção naqueles estranhos telefonemas que lhe fizeram -, Gonçalo Barral recebeu um pormenorizado email de Maycon Santos, membro do executivo da junta, a relatar-lhe todas as diligências em curso para resolver os problemas que o engenheiro queria expor na sessão autárquica que se iniciaria às 21 horas.
Até há dias, a presidente da assembleia de freguesia da Penha de França insistia em, além dos nomes, divulgar as ruas onde residem os participantes no “período de intervenção do público”
Mesmo assim, Gonçalo Barral estava decidido a comparecer na assembleia (realizada por videoconferência, devido à pandemia) para denunciar o “abate selvagem de árvores” e a medida de suprimir lugares de estacionamento para automóveis, substituídos por dois bancos de jardim, que começaram a atrair indivíduos de “comportamento suspeito”, o que coincidiu com um “aumento dos assaltos”. Mas, à hora da sessão, uma situação de doença de um familiar não lhe permitiu participar, e pediu a uma amiga, também inscrita para falar no “período de intervenção do público”, que lesse, em seu nome, as questões que pretendia colocar.
E eis que, antes de a sua intervenção ser lida, a presidente da mesa da assembleia, Maria Luísa Mendes, ao nome de Gonçalo Barral acrescentou a divulgação da rua onde o engenheiro do Ambiente reside. Entre confuso e indignado, pediu um parecer à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD). A resposta chegou célere: não só Gonçalo Barral, com base no Regulamento Geral da Proteção de Dados, “pode exercer o seu direito de apagamento” (também chamado de “direito a ser esquecido”), como, alertava a CNPD, caso fosse contrariado, devia “questionar a entidade sobre a disposição legal específica” que para o efeito alegava. E, recomendou a CNPD, “qualquer troca de correspondência a este propósito” devia ser “feita por escrito, para ser possível ter a prova das respostas fornecidas pela entidade em causa”.

Gonçalo Barral reivindicou então à Junta de Freguesia da Penha de França a “eliminação” dos seus dados pessoais na posse da autarquia, com a única exceção dos que “sejam legalmente obrigatórios”. O que também implica a reedição do vídeo gravado na sessão em que a presidente da assembleia de freguesia mencionou a rua onde o engenheiro mora (colocado no canal da junta no YouTube), com a remoção dessa parte.
Refira-se que, visionando as gravações das assembleias de freguesia da Penha de França, a presidente da mesa insiste em, além dos nomes, mencionar as ruas onde residem os participantes no “período de intervenção do público”. A irregularidade apenas foi retificada na última sessão, realizada no passado dia 6, em que a divulgação das ruas onde os participantes do público moram já não aconteceu.
Quanto a Gonçalo Barral, não se contenta com a promessa da junta de que todos os seus dados pessoais “serão eliminados”. Por escrito, solicitou à autarquia que lhe dê conta pormenorizada de todos os dados que lhe respeitam e que se encontram na posse da junta. Ainda aguarda resposta.