Depois de ter sido constituída arguida em abril de 2016, Sofia Fava, ex-mulher de José Sócrates, foi novamente ouvida esta manhã pelo procurador Rosário Teixeira. Afinal, por que razão Sofia Fava é uma peça importante na Operação Marquês?
O Ministério Público argumenta que não são só os antigos laços de marido e mulher, ou os dois filhos que têm em comum, que unem José Sócrates e Sofia Fava. A ex-mulher do antigo primeiro-ministro, engenheira ambiental de profissão, foi referenciada logo nos primeiros volumes do processo, por suspeitas de que teria ajudado Sócrates num esquema de fuga ao fisco e branqueamento de capitais. O Ministério Público desconfiou desde muito cedo que Sofia Fava era uma das pessoas que beneficiava dos milhões acumulados nas contas do empresário Carlos Santos Silva, que se suspeita serem de José Sócrates.
As escutas telefónicas do processo, cruzadas com a análise às contas bancárias, terão permitido perceber que, apesar de estarem separados desde 2001, José Sócrates continuava com frequência a acudir Sofia Fava nas suas urgências financeiras. E Fava e outros familiares seus também terão tido um papel determinante na compra massiva do livro de José Sócrates, “A Confiança no Mundo”, que o Ministério Público diz ter chegado aos tops dos mais vendidos porque inúmeros exemplares terão sido comprados com o dinheiro de Santos Silva (ou seja, segundo a tese da investigação, pelo próprio Sócrates). A mãe de Sofia Fava, por exemplo, terá sido uma das mais ávidas compradoras da obra, adquirindo pelo menos 186 exemplares.
Quando foi ouvida no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), no dia 20 de abril de 2016, e constituída arguida por suspeitas de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, o procurador Rosário Teixeira e o inspector tributário Paulo Silva começaram logo por explicar a Sofia Fava que suspeitavam que, pelo menos desde 2009, teria aceitado vir a beneficiar de “atribuições financeiras” com origem em Carlos Santos Silva, por determinação de Sócrates, para pagar os encargos com o seu sustento e o dos seus filhos e para garantir que no futuro haveria património para beneficiá-los. Para a equipa de investigação, Sofia Fava saberia que os fundos que receberia viriam de Carlos Santos Silva, com o objectivo único de esconder que seriam, na verdade, de José Sócrates.
Logo em 2010, Sofia Fava contactaria Santos Silva para fazer umas obras na sua casa da rua Abade Faria, em Lisboa, imóvel que comprara em 2008 por 550 mil euros. Santos Silva recomendou que fosse contratada a empresa Gigabeira, na qual tinha uma participação, e apresentou-lhe um orçamento de 300 mil euros, exatamente o mesmo valor que Fava tinha pedido de financiamento adicional à Caixa Geral de Depósitos.
As obras viriam a terminar em 2009 e até esse momento Sofia Fava não tinha feito qualquer pagamento. Para o fazer terá voltado a contactar Carlos Santos Silva. Nesse momento, diz o Ministério Público, ambos terão montado uma forma de pagamento que permitiria a Sofia Fava receber uma quantia adicional: a Gigabeira iria comprar outro imóvel de Fava, na rua Francisco Stromp, em Lisboa, por um preço que, diz a investigação, seria superior ao real. Tinha sido comprado por Fava e Sócrates, em 2001, por 264 mil euros, e viria a ser comprado pela Gigabeira por 400 mil euros, um valor muito acima do valor de mercado (que, segundo a investigação, à data seria de 290 mil euros. O contrato promessa de compra e venda acrescentava um pagamento adicional a Sofia Fava de 100 mil euros, além dos 400 mil pelo imóvel propriamente dito.
Nos últimos meses de 2009, Sofia Fava terá começado a receber, alegadamente em conluio com Sócrates e Santos Silva, uma quantia mensal de cerca de 5 mil euros. Os primeiros pagamentos foram feitos em numerário, até ser celebrado um contrato de prestação de serviços na área da consultoria ambiental entre uma das sociedades de Santos Silva (a XLM) e Sofia Fava. Em 2010, já os 5 mil euros mensais chegariam por esta via. No total, entre 2010 e 2014, o contrato que a investigação diz ser forjado terá rendido a Sofia Fava mais de 334 mil euros.
Já em 2011, Sofia Fava resolveu aventurar-se na compra de um novo imóvel, desta vez em Montemor-o-Novo, o chamado Monte das Margaridas, pelo preço de 760 mil euros. A compra foi feita através de um empréstimo bancário do BES que seria garantido com o penhor de um depósito a prazo feito por Santos Silva, também no valor de 760 mil euros. O empréstimo viria a significar um encargo mensal para Fava entre 4 mil 4600 euros. Só que, insiste a investigação, esse encargo seria, na verdade, assumido por Santos Silva e José Sócrates, através “dos pagamentos com origem na XLM”, em “entregas em numerário” e em transferências bancárias para a conta do BES onde eram debitadas as prestações.
Sofia Fava terá mesmo chegado a pedir a José Sócrates para que efetuasse as transferências dias antes de vencerem as prestações.
A ex-mulher de Sócrates também é importante para o processo por estar ligada ao universo de Paris, onde José Sócrates passou uma longa temporada à estudar. Fava começou por morar num apartamento que estava em nome de Santos Silva, vindo a acompanhar, a partir de julho de 2013, as obras no imóvel que teriam sido pedidas por José Sócrates – passando a viver, então, num hotel de Paris com um dos filhos, enquanto as obras não estavam concluídas. Durante esse período, terá sido a sociedade XLM a assumir as despesas de alojamento no hotel, num total superior a 41 mil euros (neste cenário, a XLM viria também a suportar os encargos de alojamento no mesmo aparthotel de um filho de Pedro Silva Pereira, ex-ministro da Presidência, no total de mais de 13 mil euros).
Há ainda registos de viagens pagas a Sofia Fava por Santos Silva, quantias em numerário de 5 mil euros entregues em mãos a Fava por João Perna, então motorista de Sócrates, registo de depósitos nas contas de Sofia Fava de 24600 euros e de outros de 250 mil euros numa conta do seu actual companheiro, Manuel Costa Reis.
Depois do primeiro interrogatório a Sofia Fava, o Ministério Público terá ainda descoberto que Sofia Fava usava uma viatura da Rentlei, empresa do universo do Grupo Lena.
Na tarde desta quarta-feira foi ouvido, também pela segunda vez, Diogo Gaspar Ferreira, CEO do resort de luxo algarvio Vale do Lobo. Quinta-feira é a vez de voltar a ser ouvido Joaquim Barroca, patrão do grupo Lena.