António Guterres saiu claramente como “favorito” da primeira votação para a eleição do próximo Secretário Geral das Nações Unidas. O ex-primeiro ministro obteve a maior votação favorável (12 votos encorajadores, entre os 15 emitidos pelos membros do Conselho de Segurança) e nenhum voto negativo, coisa que nenhum dos restantes 12 candidatos conseguiu alcançar.
Mesmo assim, em Lisboa, ninguém salta de alegria ou respira de alívio. No Twitter, António Costa congratulava-se moderadamente: “O resultado da 1ª votação para Secretário Geral da UN é extremamente positivo e um claríssimo estímulo. Aguardamos os próximos passos” e “Guterres é o candidato mais qualificado para SG da UN e o resultado mostra que o governo apresentou a candidatura acertada”. No Palácio das Necessidades, as cautelas são semelhantes: “O resultado da votação é importante, mas há ainda um longo caminho a percorrer”, disse à VISÃO José Freitas Ferraz, o embaixador que coordena, nos bastidores, a equipa que apoia António Guterres na sua corrida à liderança das Nações Unidas. “É um ponto de partida. Mas há muito caminho pela frente. É a primeira de muitas votações – nem se sabe quantas”, referiu outro colaborador.
Freitas Ferraz e António Guterres conhecem-se há muito anos. Quando, a 28 de outubro de 1995, António Guterres tomava posse como primeiro-ministro, levava Freitas Ferraz, dois anos mais velho, para o seu gabinete em São Bento. O embaixador, que passou por Washington, Maputo, Madrid ou Bruxelas, só deixou o gabinete cinco anos mais tarde, para “ir para posto”. A S. Bento, seguiu-se Copenhaga, Maputo (outra vez), foi embaixador não residente nas Maurícias e na Suazilândia, esteve em Tóquio e, pelo meio, ainda foi Diretor-Geral dos Assuntos Europeus. Hoje, Freitas Ferraz está à frente do Instituto Diplomático… e da equipa que apoia Guterres na sua candidatura ao mais alto cargo das Nações Unidas.
Com ele, tem outros dois ex-colaboradores de Guterres, em São Bento: David Damião e Miguel Graça. Damião foi assessor de imprensa de Guterres entre 1995 e 2002 e de José Sócrates e mantém as mesmas funções ao lado de António Costa. É por ele que passa a análise dos jornais nacionais e estrangeiros e todas as solicitações da imprensa. Miguel Graça, diplomata, trabalhou apenas seis meses com Guterres, mas tem muita experiência de gabinetes (foi adjunto de dois secretários de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Durão Barroso e do ministro da Defesa de Passos Coelho) e tem, no currículo, uma passagem pela Representação Permanente de Portugal junto das Nações Unidas, o que é visto como uma enorme mais valia. Atualmente, Miguel Graça é Diretor de Serviços das Organizações Políticas Internacionais na Direção-Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
A eles juntou-se Pedro Pinto, diplomata, que nunca terá trabalhado diretamente com Guterres, mas acumulou experiência em cinco gabinetes e também passou pelas Nações Unidas – esteve na Representação de Portugal e foi representante alternante no Conselho de Segurança.
Este núcleo duro conta com o apoio precioso da Representação Permanente de Portugal junto das Nações Unidas (liderada pelo experientíssimo embaixador Mendonça e Moura) e, nas reuniões semanais, conforme as conveniências, elementos (na sua maioria diplomatas) dos gabinetes do Presidente da República, do primeiro-ministro e do ministro dos Negócios Estrangeiros.
O espírito é que, como vem escrito nos textos iniciais da ONU, António Guterres é the best possible for the job (o melhor para o lugar). Remetendo para o que tem sido escrito por observadores (políticos e diplomáticos) internacionais, Freitas Ferraz desfia elogios ao candidato português: têm-lhe apontado “capacidade de fazer pontes, gerar consensos, capacidade intelectual e experiência – como ACNUR durante 10 anos e primeiro-ministro durante seis.” Mas não chega.
Ao critério inicial, refere, juntaram-se outros. Um deles é a rotatividade geográfica, que recomenda que o próximo SG provenha da Europa de Leste. Outro, é a “necessidade de promover a paridade e igualdade de género no acesso a cargos superiores”, que é como quem diz: e porque não uma mulher? Aí, Freitas Ferraz volta a gabar o antigo PM, que tem recordes na matéria: “foi o primeiro líder partidário a introduzir quotas, o primeiro, como primeiro-ministro, a criar o primeiro ministério da Igualdade, postura que manteve quando foi Alto Comissário” para as Nações Unidas.
Mesmo assim, não chega. Por isso, a equipa continua a reunir, semanalmente. “Tomámos nota do resultado de ontem e continuamos a trabalhar”, refere um deles. Avaliam o que se diz, na imprensa, definem prioridades, fazem o planeamento dos dias e semanas que se seguem, analisam pedidos (de entrevistas, participação em seminários e colóquios, de visita). Augusto Santos Silva já esteve presente numa ou duas reuniões, mas geralmente cabe à secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, assumir as honras da casa. Enquanto isso, Guterres percorre o mundo. Tem o apoio das embaixadas, é certo, mas geralmente viaja sozinho, o que mostra de que fibra é feito. Hoje está na Índia, na semana passada esteve em Nova Iorque, há duas na África do Sul, há três em Moscovo. A estratégia é a de percorrer os países com assento no Conselho de Segurança (por onde passará a verdadeira seleção) e explicar o objetivo da sua candidatura.
Não se sabe se este mês haverá nova votação (afinal, estas votações servem apenas para se perceber o tipo de apoios tem cada candidato). Com férias em agosto, o lado visível da corrida regressa em setembro.