A Caxemira, apesar de ser o principal foco de conflito entre a Índia e o Paquistão desde a sua independência do império britânico, transformou-se, nos últimos anos, numa das maiores provas de afirmação do governo nacionalista que está há 12 anos no poder em Nova Deli. Essa mudança iniciou-se em agosto de 2019, quando, em resposta a mais um ataque das forças separatistas, alegadamente ao serviço dos paquistaneses, o primeiro-ministro Narendra Modi optou por uma manifestação de força: enviou dezenas de milhares de soldados para a região, revogou a sua autonomia especial, decretou o estado de sítio e, durante cerca de um ano, cortou todas as comunicações com o exterior, reprimiu os órgãos de informação locais independentes e enviou para a prisão milhares de opositores. O mundo olhou estupefacto para essa ação de Modi, mas depressa esqueceu as atrocidades e os atropelos aos direitos humanos, quando mergulhou, poucos meses depois, na pandemia e na rotina dos confinamentos.
Do ponto de vista do governo indiano, os fins justificaram todos os meios. De tal modo que, após essa ação musculada, a Caxemira começou a mudar a sua imagem e a ser exibida até como um cartaz turístico apetecível para milhões de indianos, em busca de uma região repleta de montanhas e vales deslumbrantes, conhecida também pela sua produção têxtil e agrícola. Segundo uma publicação da organização Council on Foreign Relations (CFR), nesses anos, o governo de Modi aproveitou ainda para integrar a Caxemira na sua doutrina de “nacionalismo hindu” e redesenhou o mapa eleitoral para privilegiar as áreas de maioria hindu. Noutra prova de força, Modi realizou, em 2023, quando ocupava a presidência do G20, uma reunião do grupo de trabalho sobre turismo daquela organização em Srinagar, a capital de verão do território administrado pelo governo de Nova Deli – a que, significativamente, a China optou por não comparecer, alegando a sua firme oposição “à realização de qualquer tipo de reunião do G20 num território disputado”.