Quando se inscreveu para a Maratona des Sables, no deserto do Saara, sul de Marrocos, em 1994, o polícia italiano Mauro Prosperi acreditava que a sua maior dificuldade seria percorrer os 250 quilómetros pelas grandes dunas que se formavam, ultrapassando o calor extremo. A aventura acabou por se tornar ainda mais intensa do que o previsto: o atleta perdeu-se e ficou durante 9 dias no meio do deserto.
Era expectável que Prosperi fosse um dos primeiros a chegar, uma vez que se encontrava entre os atletas mais rápidos da prova. Contudo, assim chegou a uma etapa marcada pelas dunas, a areia ao seu redor começou a levantar. “As pequenas dunas, ao contrário das grandes, andam”, recorda, numa entrevista ao The Guardian, descrevendo como o remoinho se tornava numa espécie de parede. “Eu não conseguia ver nada. O vento soprou com tanta violência que a areia doía”.
Segundo as instruções que lhe tinham dado caso se perdesse, o que devia fazer era abrigar-se e caminhar em direção às nuvens, explica. “Mas não há muitos abrigos no deserto. No meio das dunas, é difícil encontrar um lugar que te proteja”. Depois de sete horas a caminhar, o cenário mudou devido a uma tempestade, que lhe retirou “todos os pontos de referência”. “A paisagem foi completamente transformada”, lembra.
Apesar disso, Prosperi ainda tinha esperanças de chegar à meta e entrar no pódio. Mas quanto mais corria e a noite se aproximava, mais sozinho se sentia, sem conseguir encontrar alguém ou algum ponto de referência.
Prosperi, agora com 68 anos, conta que, quando era criança, ouvia as histórias do seu avô sobre a Primeira Guerra Mundial, e, perante a sua situação dramática, relembrou-se dessas memórias. “Ele disse-me que, quando não havia água, ele e os outros soldados bebiam a própria urina para sobreviver”, Prosperi decidiu fazer o mesmo, mas apenas por precaução, porque acreditava que seria encontrado muito em breve.
Na manhã seguinte, Prosperi ouviu um helicóptero e presumiu que viessem buscá-lo. Fez de tudo para que o vissem, atirando para o céu um foguete e agitando a bandeira italiana que levava na sua mochila. “Corri atrás do piloto. Gritei (…) Mas o barulho do motor transformou-se rapidamente em silêncio”, afirma.
Nesse momento, o atleta sentiu raiva, mas não medo, conta. A resiliência, força e resistência que acumulou durante os anos de desporto estavam a audá-lo, mas teve de superar vários obstáculos interiores. “No deserto, aprendi que é muito importante olhar ao redor, ver o que está a acontecer”, conta.
48 horas após se ter perdido, Prosperi encontrou um edíficio, prendeu a sua bandeira italiana numa torre e alimentou-se de pequenos morcegos que lá se encontravam.
Esperou 12 horas dentro do edifício para que uma nova tempestade passasse, pensou que devia morrer, tentou encontrar uma solução sem sucesso e, depois de sentir-se extremamente desidratado, bebeu a urina que tinha guardado no cantil. A partir desse momento, fez “tudo o que pôde” para sobreviver, ingerindo o que encontrava, como ratos e cobras, formigas grandes e folhas e cortando a parte de trás dos ténis de corrida para aliviar as feridas nos calcanhares.
Nos seis dias seguintes, Prosperi “realmente olhou” ao seu redor, conta. “Convivi com a morte, estivemos de braços dados todos os dias, tornou-se minha amiga”, afirma. 9 dias e meio depois, o atleta avistou, a 200 metros, um rebanho de cabras a serem conduzidas por uma menina, tendo sido acolhido pela sua comunidade.
Foi, então, que soube que tinha caminhado até a Argélia. Prosperi foi, posteriormente, levado para uma base militar em Tindouf, seguindo para o hospital onde passou uma semana a ser cuidado antes de regressar a Roma. Pesava apenas 43 kg.
Depois da experiência intensa, o atleta recuperou forças nos dois anos seguintes e voltou a correr na Maratona des Sables, em 1997, tendo participado mais nove vezes até à última, em 2017.