O codiretor artístico do Dirks Theatre, Ip Ka Man, disse à Lusa que, após ler o conto, incluído num dos primeiros livros de Saramago, “Objeto Quase” (1978), e durante a criação da peça, tinha “uma pergunta em mente: o que é a minha terra”.
“O conceito de terra pode ser dividido em duas partes: uma é a física e a outra é a nossa história, os nossos sentimentos, a nossa experiência. E de alguma forma têm de estar juntas. Senão, é como o centauro, sempre metade humano, metade cavalo”, disse.
A personagem principal de “Ecos em Sonhos”, apesar de já ter deixado a sua terra natal há algum tempo, continua assombrada por uma voz interior que, em cantonês, “continua a perguntar-lhe por que não volta a casa”, revelou Ip.
“Há muitas pessoas, em todo o lado no mundo, que têm de partir das suas terras, seja à força ou por vontade própria, sobretudo nesta altura”, disse à Lusa a codiretora artística do Dirks Theatre, Mable Wu May Bo, referindo-se à pandemia de covid-19.
De acordo com dados oficiais, Macau perdeu 24.200 pessoas durante a pandemia, devido à subida do desemprego e às restrições impostas para controlar o novo coronavírus.
“Sentíamo-nos seguros, mas por outro lado sabíamos que havia tantas coisas que estavam fora do nosso controlo, que qualquer coisa podia a qualquer momento. Isso criou muita incerteza”, disse Mable.
Ip Ka Man admitiu que a pandemia levou também o duo a questionar o seu futuro artístico. “Durante estes três anos por vezes tivemos algumas dificuldades, sequer para formular planos”, explicou.
Macau abandonou a política ‘zero covid’ em meados de dezembro e Ip diz que o Dirks Theatre quer agora “ligar-se mais à comunidade local” e “inspirar a audiência a ter a imaginação para questionar a vida, o ambiente”.
Com o fim das restrições, numa cidade cuja economia depende do turismo, “toda a gente está sempre a falar da importância do crescimento económico, mas a verdade é que sacrificamos muito para conseguir isso”, sublinhou o codiretor.
No início de dezembro, Kwok Wai Tak, chefe substituto dos Serviços de Psiquiatria do Centro Hospitalar Conde de São Januário, hospital público de Macau, admitiu que o aumento dos suicídios se devia às políticas anti-pandémicas.
“A relação entre as pessoas de Macau é tão íntima, tão complicada. Isso afeta e muito a capacidade das pessoas de se expressarem”, lamentou Ip Ka Man.
“As pessoas de Macau não são tão francas sobre como se sentem”, acrescentou Mable Wu, que nasceu na vizinha Hong Kong, também uma região administrativa especial chinesa.
“Sinto que nos anos mais recentes elas têm vontade de se expressarem, mas talvez não saibam como se dirigirem a pessoas fora da sua zona de conforto”, disse a codiretora do Dirks Theatre.
“Ecos em Sonhos”, que mistura cenas teatrais e a projeção de vídeos, vai estar em cena no Centro de Arte Contemporânea de Macau – Oficinas Navais N.º 2 na quinta-feira e sábado.
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