“Lá no fundo, ele não quer ganhar as eleições e está a entregar o jogo de forma desajeitada”; “Estamos a ver alguém a autodestruir-se em tempo real”; “Se Donald Trump estivesse a tentar perder, e não estou a dizer que está, mas, se estivesse, não sei se teria feito algo diferente do que tem estado a fazer nestes últimos dias”; “Trump não pensou que pudesse chegar tão longe, era uma candidatura de protesto”.
De comentadores a ex-funcionários da Casa Branca, de antigos assessores de Barack Obama a ex-colaboradores de Donald Trump, há cada vez mais vozes a sugerir que o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos não quer ganhar as eleições de 8 de novembro. E agora foi a vez de Michael Moore aparecer em cena com certezas absolutas.
“Sei perfeitamente que Donald Trump nunca quis ser Presidente dos Estados Unidos”, publicou o realizador de cinema no seu site, esta segunda-feira, como mote para a sua tese sobre os propósitos que motivaram a candidatura do magnata do imobiliário. Segundo Moore, foi a ideia de ganhar popularidade e melhores contratos televisivos que fez Trump avançar. “Descontente” com a NBC por causa do valor que recebia pelo seu programa The Apprentice, “queria mais dinheiro” e, após reunir com outras cadeias televisivas e a informação ter sido tornada pública, “jogou a sua maior cartada” com a candidatura à Casa Branca: “Claro que ele não teria verdadeiramente de entrar na corrida à presidência. Bastava fazer o anúncio, uns comícios com milhares de fãs e esperar pelas primeiras sondagens que o colocassem à frente. E depois ele conseguiria o acordo que quisesse, por mais milhões do que estava a ser pago naquele momento”.
O que se seguiu trocou-lhe as voltas, de acordo com o realizador. Logo nas apresentações, Donald Trump catalogou os mexicanos de “violares” e “traficantes de droga”, deixando a promessa de erguer um muro na fronteira. “Ele sabia que não havia possibilidade de ser o candidato republicano”, elabora Moore, “e que nunca seria Presidente dos Estados Unidos”, mas, “para sua própria surpresa, acendeu o país”. De repente, diz o realizador de Bowling for Columbine (Oscar de melhor documentário em 2002), “Trump apaixonou-se de novo por si próprio e depressa esqueceu a missão de conseguir um bom contrato para um programa de televisão”. Para quê apresentar um programa se “ele era agora a estrela de todos os programas”, continua Michael Moore, antes de carregar no botão de fast foward e voltar ao play já com Donald Trump oficializado como candidato republicano.
“Demasiado tarde” para desistir
É então que desfia exemplos da depressão que, a seu ver, passou a dominar os comportamentos de Trump. Do discurso de vitória “sem alegria” nas primárias de Nova Jersey – “A minha linda vida acabou”, imagina Moore a ruminar na cabeça do nova-iorquino -, passando pelo ataque à família de um soldado americano que morreu em combate ou “sugerindo que o movimento pró-armas assassinasse Hillary Clinton”, até aos acontecimentos da última semana. “A expressão na sua cara diz tudo: ‘Detesto isto!’.”
Para Michael Moore, “é demasiado tarde” para Donald Trump desistir. Mas “ele iria preferir convidar os Clintons e os Obamas para o seu próximo casamento” a ficar com o rótulo de derrotado. E por isso o realizador põe a hipótese de o que se passou nos últimos tempos “não ser um acidente”, mas uma pressão final do próprio Trump para “sair de uma corrida onde nunca quis estar”. Como? Por indicação do partido, o que lhe daria um argumento para “culpar outros” pelo fracasso.
O realizador não é o único a pensar numa retirada estratégica de Trump, mas o analista político Brent J. Budowsky duvida que esses rumores venham a tornar-se realidade, a pouco mais de um mês das eleições. Este ex-assessor no Senado admite que “uma maneira de explicar o comportamento repetidamente autodestrutivo de Trump é pensar que, lá no fundo, ele não quer ganhar as eleições e está a entregar o jogo de forma desajeitada”. Mas o cenário “mais provável” até 8 de novembro, prevê, “é ele continuar a dizer e a fazer coisas que qualquer aluno de liceu a iniciar os estudos em ciência política sabe que vai destruir a sua candidatura”.
Exemplos não faltam, como escreve num artigo de opinião no site de notícias The Hill, dedicado à política americana: “Se um candidato quer genuinamente ser presidente, vai insultar repetidamente uma onda gigante de eleitores hispânicos? E insultar veteranos de guerra que foram prisioneiros heróicos dizendo que ‘gosta de pessoas que nunca foram capturadas’? (…) E elogiar o ditador comunista, assassino de massas, da Coreia do Norte? Que votos Trump acredita que pode ganhar com isso?”.
Se a tendência “autodestrutiva” se confirmar, Budowsky só vê um desfecho possível após serem conhecidos os resultados das eleições. Donald Trump “vai gritar aos quatro ventos: fui roubado!”.
É uma ideia que tem vindo a ganhar espaço nas intervenções do candidato republicano desde o início de agosto, a de que “as eleições vão ser falseadas”. Ainda este sábado, num discurso na Pensilvânia, Trump apelava aos apoiantes para escrutinarem os locais de voto após entregarem o seu. Também aproveitou para dizer que “Hillary Clinton pode estar maluca”, que “devia estar presa” e que “a única lealdade dela é para com os financiadores e ela própria”. “Penso que nem ao Bill é leal, se querem saber a verdade. E porque haveria de ser?”.
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Esta insinuação – possivelmente com a referência final a reportar-se ao caso Monica Lewinsky – foi o último episódio de uma semana que começou com um autoelogio por não pagar impostos e continuou com ataques pessoais a uma ex-Miss Universo, incluindo tweets publicados de madrugada.
“Estamos a ver alguém a autodestruir-se em tempo real. É um desejo de uma morte política, como se bem lá no fundo ele não queira ser presidente”, observa Peter Wehner, que colaborou com três presidentes republicados, Ronald Reagan e os dois Bush, pai e filho.
David Axelrod, ex-conselheiro de Barack Obama, não arrisca ir tão longe, mas não foge muito à ideia quando afirma à CNN: “Se Donald Trump estivesse a tentar perder, e não estou a dizer que está, mas, se estivesse, não sei se teria feito algo diferente do que tem estado a fazer nestes últimos dias.”
Todas estas interpretações recentes do comportamento de Trump, de Michael Moore a David Axelrod, precisam de ‘cenas dos próximos capítulos’ para poderem confirmar-se, mas até quem trabalhou de perto na campanha, como a ex-diretora de comunicação Stephanie Cegielski, suspeita que chegou mais longe do que era suposto. “Não sei se ele o queria, o que é talvez o panorama mais assustador de todos”, escreveu em março, garantindo que lhe transmitiram “o objetivo de atingir os dois digitos nas sondagens” e que a iniciativa não passava de “uma candidatura de protesto”. Se assim for, Donald Trump tem cinco semanas para descalçar esta bota. Mas quem acredita que, aqui chegado, ele não vai pagar para ver?