Nasceu em Felgueiras, mas, ainda bebé, rumou a França com a família.
Aos 52 anos, pai de três filhos, divide os negócios e a vida entre o Douro, o Algarve e o território gaulês. Com formação em Direito, trabalhou em seguros e no ramo agroalimentar. Em Orleães, há mais de vinte anos, fundou a Agribéria, hoje das maiores empresas de distribuição alimentar. Paulo Pereira é empresário hoteleiro e proprietário de uma cadeia de supermercados – a Panier du Monde – presente em diversas cidades francesas. Negoceia produtos portugueses e aposta no chamado “mercado da saudade”, tendo como sócia Maria do Céu Gonçalves. Com ela adquiriu, em 2013, a Quinta da Pacheca, em Lamego, dando assim novo fôlego ao negócio vinícola e erguido um complexo enoturístico de referência.
Paulo Pereira também foi apanhado de surpresa com o impacto avassalador da pandemia. Mas uma coisa é enfrentar o inesperado. Outra, bem diferente, é desesperar. Não é o caso dele. Para já, a prioridade é a segurança dos seus funcionários e colaboradores. O resto logo se vê. “Neste momento, a minha preocupação não é faturar”, assume nesta entrevista à VISÃO.
Tendo em conta os reflexos da pandemia em Portugal, quais são os seus receios e conselhos para enfrentar esta crise?
Há que tirar lições e não perder tempo a procurar culpados. O importante é encontrar soluções. São precisas atitudes exemplares e responsáveis. O Governo terá de ajudar, sobretudo flexibilizando o pagamento das contribuições fiscais, mas os empresários não podem ficar só à espera. Temos de fazer a nossa parte e lutar pela sobrevivência do tecido social e económico. Neste momento, a minha preocupação não é faturar. É proteger as minhas equipas e funcionários, para tê-los prontos e capazes para juntos darmos a volta depois da crise. Não podemos esperar que o Estado faça tudo. Os empresários têm de ser responsáveis e ajudar aqueles que terão mais dificuldades.
Mas já estão em curso vagas de despedimentos…
É um grande erro fazer despedimentos nesta altura. Isso significará fazer mais vítimas do que a própria pandemia. Temos de chegar a consensos com os nossos funcionários e colaboradores, mas é obrigatório mantê-los. Isso é que será decisivo para retomarmos as nossas atividades quando a crise passar.
Há razões para temer problemas de abastecimento e distribuição de alimentos?
O País tem de continuar a ser alimentado, não há outra hipótese. Se calhar terá de haver mais organização, sem conflitos. Fomos todos apanhados de surpresa com este vírus e, obviamente, existem sempre receios. Há que adaptar a logística a este cenário e o Governo tem de arranjar forma de monitorizar a distribuição e o abastecimento para que nada falte nas lojas e nos supermercados. Temos sido bastante solicitados para abastecer as grandes cadeias de hipermercados franceses com produtos portugueses, pois eles já sentem dificuldade em adquirir produtos como massas, arroz ou conservas. Para já, os nossos planos de abastecimento junto dos fornecedores portugueses estão a ser respeitados. Mas depende do tempo que isto durar. Posso manter-me assim, sem grandes abalos, até ao início do verão, mas isso é quase amanhã…
Quantos trabalhadores dependem de si?
Entre a França e Portugal, cerca de 300 pessoas.
É sócio da Quinta da Pacheca. O vinho é o menor dos seus problemas por agora?
O vinho não é de primeira necessidade. É um produto de partilha, de convívio e isso agora não é prioritário. Aliás, a Quinta da Pacheca pôs os quartos à disposição de médicos dão ajuda ao Hospital de Lamego. A minha preocupação é proteger as equipas, acompanhar os colaboradores e recuperar o mais rápido possível a atividade comercial. Estamos todos no mesmo barco. Tem de haver grande espírito de solidariedade. E estou à espera de ver a reação do sistema bancário…
Qual é a sua expetativa?
O sistema bancário e financeiro tem agora a oportunidade de se reconciliar com as empresas e as famílias depois de ter sido o grande responsável pela crise de 2008. Se a economia está parada, os bancos também têm de perceber que o seu papel terá de ser outro. Aliás, o mundo nunca mais será igual. Isto mudará comportamentos e vai nivelar-nos. Nestas alturas, percebe-se que não há fracos nem fortes, ricos ou pobres. O vírus toca a todos. As questões sociais vão regressar em força. Já noto isso nas atitudes das pessoas, estão mais solidárias.
É o momento de olharmos para um reforço do papel do Estado?
Esta crise veio sublinhar as carências do Estado. Estou convencido de que terá de haver um reforço de algumas áreas.
Que medidas tomou para proteger os seus negócios e trabalhadores?
Fechámos o setor hoteleiro em França, mantivemos abertos os supermercados com metade do pessoal em casa e o restante a trabalhar. Temos armazéns que abastecem toda a França e fizemos o mesmo. Em Portugal, estamos um bocado atrasados em relação ao teletrabalho. Trabalhar ainda significa sair de casa, ir ao escritório, mas, às vezes, somos muito mais produtivos em casa, devidamente organizados, sem estarmos a perder tempo em viagens ou no trânsito. Esta crise vai ajudar-nos a perceber isso.