O mítico fabricante de guitarras Gibson deu entrada a um pedido de proteção de credores, o denominado capítulo 11, para tentar reorganizar o negócio.
Com dívidas bancárias superiores a 520 milhões de euros, a vencer já em julho, e pagamentos em atraso a vários fornecedores, a empresa de Nashville vai agora tentar vender alguns dos seus ativos, deixando atividades como os equipamentos de som profissional e doméstico, software de gravação, material para DJ’s,entre outros, para se dedicar exclusivamente ao fabrico de guitarras e outros instrumentos musicais.
Ao longo dos últimos meses, a Gibson já vendeu fábricas, fez despedimentos, mas, do ponto de vista dos credores, as medidas não foram suficientes. Em três anos, as vendas do grupo caíram quase 500 milhões de euros. E os prejuízos continuam a acumular-se.
Segundo o documento que deu entrada no tribunal para pedir a proteção de credores, a empresa admite que o seu negócio de equipamentos de som está “preso num ciclo vicioso”.
Passo maior que as pernas
Mas como é que uma marca de referência chega a este ponto? Tudo começou em 1986, quando Henry Juszkiewicz comprou a Gibson. Na altura o negócio corria sobre rodas, o novo dono da empresa queria mais. O seu objetivo era transformar a Gibson no maior grupo mundial de tecnologia de música e som. “O meu sonho era ser a Nike do mundo da música. Tornar a empresa num sinónimo de live style na cena musical. Neste momento vou ter de acabar com essa ambição”, declarou, recentemente, Henry Juszkiewicz.
E foi aqui que começaram os problemas. Comprou outras marcas de guitarras, fabricantes de pianos, empresas de alta fidelidade, de software de gravação musical, material para DJ’s, eletrónica de consumo, entre outros.
Depois de várias centenas de milhões gastos – só para comprar a divisão de som da Philips pagou 135 milhões de euros -, e com muitas destas empresas a manterem balanços negativos, a Gibson entrou em dificuldades financeiras.
A criação de uma lenda
A marca Gibson cresceu de mãos dadas com o Rock’n’Roll. A duas histórias quase que se confundem. Elvis Presley, Jimmy Page, Jimmi Hendrix, Gary Moore, Slash, Mark Knopfler, Joe Perry, James Hetfield, George Harrison, Eric Clapton, entre muitos outros, não dispensaram os modelos produzidos pelo mítico fabricante de Nashville.
Apesar da fundação da empresa datar de 1902, foi em 1894, que Orville Gibson, na altura com 38 anos, começou a fabricar guitarras e bandolins na oficina de sua casa, em Kalamazoo, no estado do Michigan. Apesar de não ter qualquer treino no fabrico destes instrumentos, Orville acaba por criar um novo estilo de guitarras com mais som, maior durabilidade e com um design inovador, devido ao topo esculpido e arqueado.
Em poucos anos, os instrumentos de Orville passaram a ser os preferidos dos músicos dos EUA e a sua oficina tornou-se pequena para satisfazer a procura. Funda, em 1902, a Gibson Mandolin-Guitar Mfg, Co, Ltd. Passado pouco tempo, a administração afasta-o da empresa por considerar que, segundo o livro The Gibson Story, de 1973, “tinha visões e sonhos que poderiam ser considerados excêntricos”.
Orville Gibson foi hospitalizado por várias vezes entre 1907 e 1911 e acabou por morrer a 19 de agosto de 1918, com 62 anos.
A marca foi produzindo guitarras acústicas durante décadas, mas foi em 1952, com o lançamento do modelo Les Paul, desenhado pelo próprio lendário guitarrista, que tudo mudou. Rapidamente conquista os guitarristas de todo o planeta, tornando-se no modelo mais icónico da história da música moderna. Se excluirmos, as guitarras que perteceram a músicos famosos, as Gibson Les Paul, fabricados em 1958 e 1959 são as guitarras mais caras do mundo, podendo ser adquiridas por 400 a 500 mil euros.
Pelo meio surgiram ainda a SG (Angus Young), a ES (BB King) ou a Flying V, modelo que deliciou as bandas de heavy metal dos anos 80.
Quase 124 anos depois de ter construído a primeira guitarra com a sua assinatura, o legado de Orville Gibson está em risco de ruir. Será este o primeiro sintoma da morte do Rock’n’Roll?