Longe dos holofotes, com um pacto de silêncio difícil de quebrar. Foram seis equipas distintas, reunidas de quinze em quinze dias, durante mais de seis meses. Um total de 43 pessoas: seis governantes, 25 deputados e dirigentes do PS e do Bloco de Esquerda e 12 especialistas. Sentaram-se à mesa.
Discutiram propostas. Rejeitaram ideias. Definiram medidas. Prepararam planos. E agora?
Alguns dos grupos já têm conclusões, outras ainda estão encerradas no Olimpo parlamentar. As ordens do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, que coordena a geringonça, são para manter a reserva sobre as medidas que podem chegar ao Orçamento do Estado. Garantir o mínimo de pressão mediática, conseguindo o máximo de eficácia, é o mote. Muitas das propostas aprovadas nos grupos, sabe a VISÃO, não têm impacto orçamental mas podem mudar a vida de muitos portugueses. Na habitação, na energia, nas pensões não contributivas, no mercado de trabalho, nos impostos e, também, na tão complexa e polémica questão da dívida externa portuguesa. Bloco e PS chegaram a acordo em várias delas. Mas para a geringonça funcionar em pleno, o PCP também terá que concordar com o que foi decidido.
Habitação – Mais impostos, mais habitação social, mais apoio aos jovens
O Governo pondera aumentar os impostos sobre as receitas do alojamento local. Haverá no próximo ano um regime de arrendamento acessível. O Porta 65 jovem deverá ter mais dinheiro. Estas são algumas das propostas do grupo de trabalho sobre políticas de habitação, de crédito e do património imobiliário.
“O trabalho correu muito bem. Fiquei surpreendido com a experiência”, assegura José Mendes, 54 anos, secretário de Estado Adjunto e do Ambiente. O governante foi o representante do executivo no grupo de trabalho. Também Rita Silva, 40 anos, militante do Bloco de Esquerda e dirigente da associação Habita, tem uma opinião positiva dos encontros. “Foi um exercício bom para todas as partes. Foram discussões cordiais mas profundas”.
O alojamento local foi um dos temas mais consensuais nas discussões. “Concordámos que tem aspetos positivos – gera um complemento de rendimento, estimula a reabilitação, traz diversidade ao centro das cidades – mas também teve um impacto grande no preço das rendas”, afirma José Mendes. Decidiu-se um aumento da participação no condomínio dos apartamentos explorados para ocupação turística. E também foi consensual a ideia de criar quotas de arrendamento tradicional para os grandes proprietários – 10% mas responsáveis por 40% dos apartamentos turísticos. Por último, o grupo pondera fazer uma recomendação sobre a taxa de IRS a aplicar a quem explora o alojamento local. “A taxa é muito inferior à de 28% aplicada ao arrendamento tradicional”, nota José Mendes.
Em relação ao programa Porta 65 Jovem, exigem-se “mais quatro milhões de euros”. O ano passado, o Porta 65 apoiou cerca de 8000 jovens (58% das candidaturas) com um valor médio de 148 euros. Este ano, o programa conta com uma dotação de 12,5 milhões de euros.
Também para a habitação social o grupo propõe mais dinheiro, embora José Mendes se recuse a avançar com um número. “Tudo depende da disponibilidade orçamental”, argumenta. Neste momento Portugal tem cerca de 120 mil fogos sociais, 90% dos quais são das autarquias.
Já a proposta do Bloco de Esquerda para instituir o princípio da dação em pagamento, nos casos de incumprimento do crédito à habitação, não foi para a frente. “Vamos continuar a defender este ponto”, assegura Rita Silva. Em contrapartida, o grupo de trabalho acertou que o regime de proteção dos fiadores deve ser revisto, podendo estes substituir os contratantes do crédito. O BE também queria parar com os “despejos expresso”, através do Balcão Nacional de Arrendamento, fazendo regressar os processos aos tribunais. No relatório final, contudo, decidiu-se apenas que será necessário reformar o funcionamento deste organismo, transformado “num balcão de despejos”.
Outro dos pontos fortes do relatório é a proposta de criação de um mercado habitacional acessível. “Com garantias para a realização de obras, com incentivos fiscais e com seguros de rendas julgo que conseguiremos convencer os proprietários a colocar no mercado habitação a preços mais acessíveis”, diz José Mendes.
Dívida externa – Medidas de curto prazo podem já ter impacto no OE/2017
Apesar da distância das posições sobre a sustentabilidade da dívida externa portuguesa, a atividade neste grupo de trabalho foi de “convergência”, assegura Francisco Louçã, 59 anos, economista e fundador do Bloco. Os bloquistas defendem uma renegociação da dívida pública, o PS recusa enveredar por esse caminho. Mas “as reuniões não decorrem sob a forma de ‘bancadas’ partidárias”, nota Louçã.
O ex-líder do Bloco de Esquerda é um dos autores do mais conhecido estudo sobre a sustentabilidade da dívida externa portuguesa. Outro dos autores é Pedro Nuno Santos, o homem que no Governo coordena a geringonça. Publicado em 2014, Um programa sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa propunha uma carência de juros de um ano, o prolongamento dos prazos de pagamento e uma diminuição das taxas de juro para 1%. O programa defendido também pelos economistas Ricardo Cabral e Eugénia Pires incluía ainda uma resolução bancária e não distinguia entre credores, aplicando as mesmas regras da reestruturação por igual a todos os detentores de dívida pública portuguesa.
Este é o grupo com os trabalhos mais atrasados. “Não há conclusões. Trabalhamos sobre a análise estrutural, sobre medidas de curto prazo e sobre cenários possíveis para medidas de longo prazo”, sintetiza Francisco Louçã. Segundo o economista, “o governo tem sido incansável para procurar a informação estatística necessária para os cálculos”. E, promete, o relatório será “um texto detalhado sobre as questões estruturais que condicionam a dívida portuguesa, pois esse é o ponto de partida para procurar alternativas para garantir a sustentabilidade”.
Energia – Baixar a fatura da luz
A fatura da eletricidade é para baixar. Como? O grupo de trabalho que analisou os custos energéticos tem quatro propostas. E a primeira estima-se que permita 60 milhões de euros de poupança. A ideia é restringir o número de empresas que atualmente beneficia do “Serviço de Interruptibilidade”. E pergunta o leitor, o que é isto? É o valor pago a um conjunto de grandes empresas (110 milhões de euros anualmente) para garantir que estas aceitem suspender temporariamente a sua produção no caso de uma crise de eletricidade. Mas desde 2010, ano em que uma portaria estabeleceu este serviço, nunca tal aconteceu. Diz o grupo de trabalho que o serviço está, por isso, “sobredimensionado” e que é preciso um novo regime, que “imponha a realização de concurso”.
A segunda medida propõe que o Parlamento passe a avaliar os planos de investimento nas redes de transporte e distribuição de energia, da REN e da EDP. Outra das propostas passa por definir que os contratos de garantia de potência, que são feitos por ajuste direto, sejam atribuídos em leilões à escala ibérica. Atualmente, estes contratos representam um custo anual “médio de 33 milhões de euros para os consumidores”. E o que o grupo de trabalho pretende é que o novo regime inclua “um teto administrativo que impeça a concertação entre operadores licitantes”.
O grupo quer ainda que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos audite os Contratos de Manutenção de Equilíbrio Contratual, que remuneram centrais elétricas e hídricas dos operadores elétricos. A ideia é apurar, no final dos contratos, se os montantes pagos foram excessivos. Luís Testa, deputado do PS que integrou este grupo, garante à VISÃO que o trabalho foi “muito positivo” e que pode continuar depois desta fase, sobre outras matérias.
Precariedade – Mais contratos no Estado, mais meios para a inspeção do trabalho
No grupo de trabalho que elabora um Plano Nacional contra a Precariedade as cautelas com a comunicação são muitas. O mote é que quanto menos pressão sobre o trabalho, melhor será o resultado e, por isso, o pacto é de silêncio. Mas a VISÃO sabe que do pacote fará parte o reforço dos poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho: terá mais ferramentas para combater de forma eficaz situações de falsos recibos verdes ou de falsas bolsas. Tiago Gillot, que representa o Bloco, garante à VISÃO que o trabalho tem sido “muito intenso” e que um dos pontos em cima da mesa passa por alterar a orientação das políticas públicas de emprego.Todas as formas “irregulares de precarização” também têm sido debatidas.
De qualquer forma, quando falamos em Orçamento do Estado para 2017, o dirigente dos Precários Inflexíveis admite que “muitas das medidas em preparação não têm incidência orçamental”. Um ponto que José Soeiro, deputado do Bloco que integra o grupo, também assume, revelando que uma das medidas passa por “integrar na função pública as pessoas que estão a contrato e que fazem falta”. E isso, diz o deputado, pode ter efeito orçamental ao contrário: “Pode ser mais barato”. Esta
Política Fiscal & Prestações Sociais – Rendimentos dos mais pobres crescem
Estes são os grupos em que as medidas são mais secretas. No que respeita à política fiscal, grupo liderado pelo secretário de Estado Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), sabe-se que se discute o reescalonamento das classes de IRS. O PCP quer 10 escalões de IRS, com três para as classes de rendimentos superiores a 80 mil euros. Marques Mendes, no seu comentário na SIC, afirmou que o Governo pondera agravar a taxa para os rendimentos superiores a 80 mil euros, classe na qual se encontrarão cerca de 200 mil contribuintes. Em contrapartida, as classes mais baixas do IRS seriam desoneradas.
Em relação à Segurança Social, a medida, conhecida na terça-feira, de que o Indexante de Apoios Sociais será atualizado também foi discutida no grupo de trabalho liderado pela secretária de Estado Cláudia Joaquim. Depois de congelado há sete anos (desde 2009 que o seu valor é de 419,22 euros), este indexante aumentará de acordo com a inflação (excluindo a habitação) e terá repercussões numa série de prestações sociais, como o subsídio de desemprego.
As prestações sociais foram um dos grandes temas da campanha eleitoral das legislativas de 2015. Uma das polémicas em que Costa se envolveu foi a de propor a aplicação de condições de recurso às prestações não contributivas. Bloco e PCP estavam contra. O tema não caiu de todo: voltou a ser discutido no grupo de trabalho. Há um ponto de honra: nenhuma pensão, mesmo não contributiva, terá uma redução do valor nominal. O relatório, sabe a VISÃO, está praticamente concluído, faltando apenas uma reunião para o finalizar.
(Artigo publicado na VISÃO 1128, de 15 de setembro de 2016)