O Colégio da Comissão Europeia, uma espécie de conselho de ministros do Executivo bruxelês, está reunido desde as 13 horas desta terça-feira, 2, em Estrasburgo para discutir uma série de pontos da ordem de trabalhos. Entre eles, a “monitorização e avaliação” da proposta orçamental portuguesa. A discussão implicará a apresentação do “esboço” pelo comissário para os assuntos financeiros, Valdis Dombrovskis, e o seu colega dos assuntos económicos, Pierre Moscovici. Precisamente os autores da carta enviada, na semana passada, pela Comissão pedindo explicações a António Costa e ao ministro das Finanças, Mário Centeno.
Recorde-se que ainda na segunda-feira, 1, o Executivo comunitário, controlado pelo Partido Popular Europeu (ao qual pertencem o PSD e o CDS), anunciou haver “grandes diferenças” entre Lisboa e Bruxelas, mas que isso não significaria necessariamente um chumbo da proposta.
Apresentamos-lhe aqui um micro-guia para não se angustiar com uma discussão que ainda se prolongará durante alguns dias.
As dúvidas da Comissão
A Comissão não gostou de ver no plano orçamental elaborado por Costa e Centeno uma diferença tão grande em relação à diminuição do défice estrutural que exigira em julho. Bruxelas reclamava um corte de 0,6 pontos percentuais, ao passo que o documento que lhe foi apresentado pelo governo português na sexta-feira, 29, fala em 0,2 pontos percentuais, para um valor equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto. E há ainda outro imbróglio que as duas partes têm de resolver, até quinta-feira, dia em que o conselho de ministros quer aprovar a proposta final de orçamento a apresentar na Assembleia da República. E aí, a aprovação das contas do Estado dependerá do apoio do Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, três partidos que não se mostram muito disponíveis para grandes cedências a Bruxelas. E este segundo problema entre os negociadores de Lisboa e Bruxelas prende-se com o método utilizado para calcular o défice estrutural – havendo claras divergências na interpretação das normas do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).
O desacordo assenta no facto de o Governo considerar como extraordinárias e temporárias as medidas que nos últimos de austeridade retiraram rendimento e direitos à esmagadora maioria das famílias portuguesas e que António Costa e Centento agora querem repor – salários da função pública. Sobretaxa do IRS e o IVA na restauração. Na ótica do Governo, por terem sido medidas temporárias (pelo menos apresentadas como tal aos portugueses pela anterior governação) essa reposição do rendimento não deve penalizar o saldo estrutural do Estado. Ora, a Comissão tem uma opinião diametralmente oposta, por, segundo alega, obteve de Passos Coelho o compromisso de que, apesar de serem temporárias, a sua reversão não teria impacto orçamental, pois seriam substituídas por outras.
As críticas
Deixando de parte as tricas políticas alimentadas, nos últimos dias, entre a oposição e o PS, o certo é que têm surgido, desde a semana passada, documentos técnicos que analisaram as propostas orçamentais da dupla Costa-Centeno de um ponto de vista crítico, como é, aliás, de esperar de grupos técnicos. E críticas houvea-se sobretudo em relação ao cenário macroeconómico traçado, com o Conselho das Finanças Públicas a designá-las como “otimista” e dizendo faltar-lhes alguma prudência. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental, destaca, por seu turno alguns riscos de incumprimento das regras orçamentais e critica, entre outros aspetos “uma possível sobrestimação da procura externa”.
Ora como todos os cenários macro-económicos, o que foi esboçado pelo Governo não deixa de ser um cenário. E diga-se que são poucos os que acertam. Serão os 2,1% de crescimento económico irrealistas e um défice orçamental na ordem dos 2,6% do PIB? Não, pelo menos há luz das premissas de que Centeno partiu. São essas otimistas? Sim. Mas a economia também conta com variáveis de natureza psicológica, como os índices de confiança, que estão a melhorar.
Todos os cenários comportam riscos. Até os traçados pelo Governo de Passos Coelho no Orçamento para 2015 – um crescimento económico previsto em 2% não terá ficado além dos 1,5% e o défice de 2,7% do PIB, deverá andar pelos 4,2% do produto, com a dívida pública perto dos 129% do PIB, quando a estimativa anunciada apontava para 124,4 por cento do produto.
Braço de ferro?
Provavelmente, Bruxelas vai exigir a Costa que corrija alguns valores. Mas essas exigências terão também de ser vistas à luz da leitura política dominante no atual executivo comunitário.
Ao mesmo tempo que terá de agradar a Bruxelas, Costa precisará de mostrar internamente a sua determinação no virar da página da austeridade. Ainda na sexta-feira, reafirmou o compromisso com a esquerda parlamentar e disse que, se tiver de ceder a Bruxelas, só o fará nos 20% em que não está de acordo com bloquistas, comunistas e verdes. Ou seja, o primeiro-ministro admite ter uma margem de manobra relativamente folgada,