1. O incrível Bolt apresenta-se ao mundo
100 metros, Pequim, 16 de Agosto de 2008
Usain Bolt chegou a Pequim com um recorde mundial ainda fresco, mas sem ser visto como o favorito incontestado. Era apenas um dos vários candidatos à vitória, a par do compatriota Asafa Powell e do americano Tyson Gay, numa corrida que parecia tão aberta que, na véspera, até Francis Obikwelu se atreveu a anunciar a sua candidatura ao título – sem grandes resultados, já que acabou por ser eliminado na meia-final, juntamente com Tyson Gay. E, poucos minutos antes da final, falou com os jornalistas portugueses e deu o seu prognóstico… visionário:
A realidade acabou por ser diferente.
Com mais de 90 mil espectadores, no Ninho de Pássaro, em delírio, Usain Bolt voou durante 85 metros e depois passou os últimos 15 a anunciar a vitória, abrindo os braços e batendo com a mão direita no peito, ainda antes de cortar a meta. E o cronómetro, apesar desses últimos 15 metros a festejar (e com um atacador desapertado), anunciou 9,69 segundos, menos três centésimos do que o seu anterior recorde mundial. Absolutamente fantástico!
Era a loucura total no estádio, com todos de pé, alguns de mãos na cabeça como se tivessem acabado de ver o impensável. Num pulo, sentindo que tinham acabado de assistir um momento histórico, centenas de jornalistas precipitaram-se para a zona mista do estádio para tentar ouvir Usain Bolt ou alguém que lhes pudesse explicar como a Jamaica tinha conseguido produzir um fenómeno desta natureza.
«Um atleta com o talento do Bolt só aparece uma vez na vida, mas ele é também o fruto da evolução do treino na Jamaica», explicou então Herb Elliott, o médico da selecção jamaicana de atletismo, rodeado de repórteres. Pachorrento, com entoação de pregador religioso lançou a provocação: “Querem ver o que são velocistas em potência? Venham a Kingston no dia dos campeonatos escolares. Vão ver a quantidade de jovens que temos a correr depressa. Foi lá que vi Usain Bolt pela primeira vez. Ele tinha 13 anos e deixou uma marca memorável em todos.»
Naquela noite, Bolt tinha acabado de deixar uma marca memorável em Pequim e nem sequer passou pela zona mista – foi directo para a sala de conferências de imprensa, já completamente apinhada de jornalistas que, depressa, ficaram surpreendidos com o à vontade e a simplicidade daquele gigante de apenas 21 anos que ia respondendo, com poucas palavras, enquanto comia uma barra de chocolate.
Naturalmente, grande parte das perguntas foram no mesmo sentido: porque raio ele decidiu quase abrandar nos últimos metros e, se não o tivesse feito, em quanto poderia ter deixado o recorde do mundo? Usain Bolt encolhia os ombros: «Não sabia que ia para recorde do mundo, eu só me queria divertir na pista!»
Percebeu-se, então, a razão porque Herb Elliott repetiu várias vezes a mesma frase aos jornalistas estrangeiros que o procuravam: «Nem ele sabe a que velocidade consegue correr.»
2. Afinal ele cansa-se quando bate recordes
200 metros, Pequim, 20 de Agosto de 2008
Se alguém ainda tinha dúvidas sobre a mais valia de Bolt elas dissiparam-se quatro dias depois. No Estádio Olímpico de Pequim, ele voltou a voar na pista e retirou dois centésimos de segundo ao histórico recorde dos 200 metros, de Michael Johnson, estabelecido há 12 anos, nos Jogos de Atlanta. No «Ninho de Pássaro» o cronómetro parou nos 19,30 segundos, deixando novamente os 91 mil espectadores em delírio.
Ao contrário do que tinha feito na final dos 100 metros, em que começou a festejar a 15 metros da meta (mesmo assim, o suficiente para colocar o recorde nos 9,69 segundos!), desta vez o jamaicano correu até ao fim completamente compenetrado. E, na meta, ainda esticou o corpo para a frente, como mandam as regras dos sprinters. Esse gesto acabou por ser fundamental para a obtenção do recorde, já que inicialmente o tempo assinalado foi de 19,31 segundos, sendo depois corrigido no «photo-finish» para 19,30 segundos.
Durante a volta de honra, Usain Bolt virou-se para as câmaras de televisão do estádio e com o dedo indicador direito esticado, gritou duas vezes: «Sou o número um!”
Mas com esforço, como se comprovou quando chegou junto dos jornalistas, já sem o ar eufórico e brincalhão com que os tinha enfrentado, após a vitória nos 100 metros. Continuava bem disposto, mas notava-se que estava tremendamente exausto, a acusar o esforço de muitas corridas em poucos dias e, acima de tudo, aquilo que teve que dar na pista para poder destronar Michael Johnson.
Ele foi o próprio a reconhecer esse cansaço. E o esforço adicional que fez para se apoderar do recorde: «Este era o maior sonho da minha vida. Desta vez, eu corri para o recorde com que sonhava desde os 15 anos. Era a ocasião ideal: estou em grande forma e tinha que aproveitar esta pista rápida do Estádio de Pequim. Por isso, antes da prova começar disse para mim mesmo que ia deixar tudo na pista.»
E foi o que fez. Daí o seu ar exausto, quase hora e meia depois da final. «Agora só quero ir dormir», confessou.
3. A explosão do reggae power
4×100 metros, Pequim, 22 de Agosto de 2008
Em 1968, os Jogos Olímpicos do México ficaram marcados pelo «black power», com Tommie Smith e John Carlos a erguerem o punho enquanto era tocado o hino dos EUA, durante a cerimónia de entrega de medalhas nos 200 metros. Em Pequim, em Agosto de 2008, entrou-se na era do «reggae power», depois de se assistir, noite após noite, às fantásticas prestações dos velocistas jamaicanos que só não arrebataram todas as medalhas das provas de velocidade porque a estafeta feminina falhou uma transmissão na final dos 4×100 metros.
A prova da superioridade jamaicana foi dada com a pulverização do recorde do mundo dos 4×100 metros masculinos. Os dois segmentos finais, protagonizados por Usain Bolt (mas que curva incrível!) e Asafa Powell (aquilo, sim, é velocidade terminal!) merecem ficar na história dos Jogos Olímpicos. Bem como a incrível volta de honra, com o quarteto jamaicano a ser ovacionado por todo o publico e Usain Bolt, descalço, a fazer inúmeras vezes o seu gesto do raio. Era o início de uma lenda.
4. A confirmação de quem é o mais rápido
100 metros, Londres, 5 de Agosto de 2012
Usain Bolt chegou aos Jogos de Londres relativamente fragilizado. No ano anterior, tinha sido desclassificado da final dos 100 metros, no Mundial, por causa de uma falsa partida. E, alguns meses antes, perdera as provas de qualificação jamaicanas para o compatriota Yohan Blake – que muitos começavam já a ver como “o novo Bolt” e a maior ameaça a impedi-lo de igualar o feito de Carl Lewis: vencer os 100 metros em dois Jogos consecutivos.
Na pista de Londres, o público manteve-se completamente em silêncio antes da partida. Depois, ao soar o tiro, desatou tudo aos gritos. E Usain Bolt demonstrou que continuava a ser o mais rápido: vitória, clara, com o tempo de 9,63 segundos.
Junto dos jornalistas, Bolt reconheceu que foi na enorme ovação que recebeu do público, em Londres, na apresentação dos atletas para a final, que começou a ganhar a prova. «Quando ouvi aqueles aplausos, os gritos de um estádio inteiro a puxar por mim, pensei: ‘Ok, estou pronto para isto. Hoje vou ganhar.’».
Esse aplauso libertou-o, deu-lhe a confiança com que voou pela pista, de acordo com os planos estabelecidos com o treinador. «Todos sabem que eu não parto bem, e o meu treinador disse-me para eu não me preocupar com isso, apenas executar a saída de forma regular. Depois, só tinha que estar nos 50 metros entre os primeiros. Foi o que aconteceu, lá estava eu entre os rapazes. Só que os últimos 50 metros são sempre meus, é aí que eu ganho as corridas, como mais uma vez aconteceu.»
«Pela primeira vez, havia muita gente a duvidar de mim, a perguntar se eu seria capaz», continuou. «Só que eu estava muito entusiasmado em defender o meu título. E aquelas duas derrotas que sofri com o Yohan Blake, nas qualificações jamaicanas, fizeram-me acordar: ‘É pá, isto são os olímpicos’. Felizmente acordei a tempo. E provei que contínuo a ser o melhor do mundo.»
Em vésperas do 50.º aniversário da independência da Jamaica, que se celebra a 6 de agosto, Usain Bolt enviou uma saudação especial para os seus compatriotas. E assumiu que não se importa de ser um exemplo para os mais novos. Até com orgulho: «Os miúdos sabem que eu trabalho muito, que me esforço muito para estar a este nível. Sabem que eu dou tudo o que tenho em competição. Eles não podem ser todos os mais rápidos do mundo, mas se também derem tudo o que têm, se estudarem ao máximo, podem ser bons profissionais, ser bons médicos, bons engenheiros, bons atletas, tudo o que quiserem. É esse o meu exemplo!»
5. O dia do “duplo-duplo”
200 metros, Londres, 9 de Agosto de 2012
Estádio cheio, a tensão dos grandes momentos, muitos flashes a disparar nas bancadas e todas as atenções concentradas num único homem. Usain Bolt, mais uma vez, não desiludiu e demonstrou que é o mais rápido, o mais forte e o mais carismático atleta à face da Terra, com uma vitória categórica na final dos 200 metros, a somar ao ouro já alcançado nos 100 metros.
É mais fácil ganhar uma medalha de ouro olímpica do que ficar na História. Usain Bolt já era considerado, com facilidade, o homem mais rápido do mundo, mas isso não chegava – sempre houve, desde que há provas de 100 metros, homens mais rápidos do mundo… que o deixaram de o ser quando apareceram outros mais velozes (é isso que acontece aos recordes: há sempre um dia que são batidos!).
Usain Bolt também já tinha dois títulos consecutivos dos 100 metros, mas isso não era o suficiente – Carl Lewis também tem esse nome nas listas, embora a segunda medalha de ouro só tenha sido atribuída, em Seul 1988, após a desqualificação de Ben Johnson.
Usain Bolt também já tinha ganho os 100 e os 200 metros nos mesmos Jogos Olímpicos. Mas, mais uma vez, isso era algo que muitos outros também tinham alcançado no passado. E não foram poucos: Archie Hahn (1924), Ralph Craig (1912), Percy Williams (1928), Eddie Tolan (1932), Jesse Owens (1936), Bobby Morrow (1956), Valery Borzov (1972) e Carl Lewis (1984).
A Usain Bolt faltava-lhe conseguir algo que nunca tinha sido feito antes: ganhar em dois Jogos Olímpicos consecutivos os 100 e os 200 metros. Missão cumprida no Estádio Olímpico de Londres. E não precisou sequer de bater o recorde do mundo. Limitou-se a igualar a marca de Michael Johnson nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996, 19.32, que muitos pensavam que iria durar décadas. Com incrível facilidade, Usain Bolt dominou a corrida do princípio ao fim e, já relaxado nos metros finais, permitiu a aproximação do compatriota Yohan Blake, que repetiu nos 200 a medalha de prata que já tinha ganho nos 100 metros, desta vez com o tempo de 19.44 segundos. Em terceiro lugar ficou o também jamaicano Warren Weir, também com uma marca abaixo dos 20 segundos (19.84).
6. Dia histórico com homenagem a Mo Farah
4×100 metros, Londres, 11 de Agosto de 2012
O programa das provas tinha sido delineado para que a última jornada de atletismo (antes da maratona), fosse a noite perfeita, com a colocação dos 5 000 metros masculinos em vez dos tradicionais 1 500 metros. Mais do que perfeita, tornou-se inesquecível e num dos momentos que mais perdurará na memória destes Jogos Olímpicos de Londres 2012.
Nos 5000 metros, o britânico Mo Farah voltou a dominar a corrida, tal como tinha feito, anteriormente, na final dos 10 000 metros. À entrada para a última volta, acelerou o ritmo, e foi metendo sucessivas mudanças de velocidade, que mais nenhum adversário conseguiu acompanhar. E, mal cortou a meta, perante um estádio completamente em delírio, deitou-se no chão e começou a fazer exercícios de abdominais, numa clara alusão às flexões com que Usain Bolt surpreendeu o público após a sua vitória nos 200 metros.
O jamaicano, perante a «homenagem» de Mo Farah, também fez questão de retribuir a distinção, conforme foi bem visível, no último percurso da estafeta de 4×100 metros, com que ajudou a Jamaica a esmagar o recorde do mundo, retirando-lhe quase dois décimos de segundo (uma enormidade em provas de velocidade). E o que fez ele? Depois de confirmar o tempo obtido, com um olhar para o cronómetro (36.84! – pela primeira vez um quarteto correu abaixo dos 37 segundos!), levou as mãos à cabeça, formando um arco com cada um dos braços e desenhando, assim, a letra M.. de Mo. Exatamente aquilo que o britânico costuma fazer nas suas provas.
A parceria entre o «maior atleta vivo do mundo» – segundo as próprias palavras de Usain Bolt – e o maior herói britânico do atletismo atual tornou-se ainda efetiva nos atos sequentes às cerimónias de entrega de medalhas. Usain Bolt e Mo Farah abraçaram-se, trocaram os gestos com que costumam cumprimentar o público (Mo fez o relâmpago de Bolt e Bolt o M de Mo…), responderam a algumas perguntas do speaker de serviço e trocaram high-five com as primeiras filas das bancadas. Em Londres, eles foram os donos do show.
7. Corro num país tropical…
100 metros, Rio de Janeiro, 15 de Agosto de 2016
A prova mais mediática dos Jogos do Rio foi cumprida de acordo com o plano desejado pela imensa maioria de espectadores no estádio e fora dele: aplausos para Usain Bolt, vaias para Justin Gatlin. E o jamaicano cimentou o seu lugar na história como o maior velocista de todos os tempos ao vencer os 100 metros em 9,81 segundos, e longamente ovacionado nas bancadas com milhares de pessoas a gritarem o seu nome.
No Rio de Janeiro, numa noite quente e húmida, Usain Bolt correu a mais lenta das suas finais de 100 metros em Jogos Olímpicos. Pela primeira vez não bateu o recorde do mundo (como fez em Pequim, correndo em 9,69s) nem o recorde olímpico (os 9,63 que estabeleceu em Londres). No Brasil, perante um estádio que esteve, claramente, todo o tempo, a apoiá-lo enquanto vaiava o americano Justin Gatlin por causa do seu passado ligado ao doping, Usain Bolt limitou-se a fazer aquilo que sabe fazer melhor: ganhar. Sem precisar de superar as suas próprias marcas, nomeadamente os 9,58 do recorde do mundo que estabeleceu, em 2009, em Berlim. Mas assinou com o seu nome aquele que será, de certeza, o seu recorde mais duradouro, aquele que ficará na história por muitos e muitos anos: é o primeiro atleta a sagrar-se campeão olímpico dos 100 metros pela terceira vez consecutiva.
A proeza foi alcançada num corrida tipicamente à Usain Bolt: um arranque lento e um final demolidor. Nos primeiros 30 metros, o jamaicano ia claramente atrasado face a Justin Gatlin, 34 anos, o campeão olímpico de Atenas 2004 – o último da era pré-Bolt – e que, depois de ter passado quatro anos suspenso devido ingestão de substâncias proibidas, regressou para tentar afirmar-se como o “homem que destronou Usain Bolt”. Tentou-o, há um ano, nos Mundiais de Atletismo, em Pequim, e voltou a procurar essa façanha, agora, no Rio de Janeiro. Nas duas vezes limitou-se a ganhar a medalha de prata. E a ter o mesmo tratamento por parte da multidão: uma vaia monumental sempre que o seu nome é pronunciado.
Mais ninguém no mundo do atletismo tem uma aceleração sequer aproximada à que Usain Bolt consegue imprimir a partir dos 30 metros. É aí que, depois de conseguir endireitar o tronco após as passadas iniciais, ele explode literalmente. E galga metros com as suas pernas compridas, num movimento poderoso que parece deixar, em comparação, os adversários subitamente mais lentos e pesados. Pura ilusão: Bolt é que corre mais rápido do que todos os outros.
“Sou uma lenda viva”, disse ele após concluir a prova e demonstrar que, afinal, prestes a completar 30 anos, ele continua igual ao jovenzinho, alegre e sempre disponível, que o mundo conheceu há oito anos, a esmagar recordes uns atrás dos outros, com uma desfaçatez desconcertante.
Dentro e fora das pistas, Usain Bolt tem sido sempre igual. E no Rio demonstrou-o mais uma vez: demorou um pouco mais de 9 segundos para ganhar os 100 metros e depois passou mais de 90 minutos num autêntico carrossel de corredores a responder às solicitações das centenas de jornalistas que se acotovelavam na zona mista do Estádio.
Nisso, Bolt é também imparável. Revela uma simpatia genuína. É incapaz de recusar não responder a uma pergunta, em especial quando identifica os grupos de jornalistas onde percebe maiores afinidades. Por isso, abranda o passo, naturalmente, junto dos americanos, dos ingleses, mas também dos chineses e dos africanos.
“Estou feliz e orgulhoso comigo”, diz, sempre de uma forma assertiva, mas sem fanfarronice. Reconhece que não fez o tempo a que habituou os espectadores em Jogos Olímpicos e critica, por isso, o pouco tempo de descanso que a organização deixou entre a meia-final e a final (cerca de 40 minutos). “Era difícil, assim, conseguir um resultado melhor. Mas mesmo que a execução não tenha sido perfeita, continuo orgulhoso de mim.”
8. Reservar lugar entre Ali e Pelé
200 metros, Rio de Janeiro, 18 de Agosto de 2016
Os 200 metros sempre foram a prova de eleição de Usain Bolt, aquela onde conseguiu as vitórias mais fáceis e folgadas. No Rio não foi excepção.
Era a prova que fechava uma noite de competições no Estádio do Engenhão e, ao contrário do que tinha acontecido na véspera, em programa sem a presença de Bolt, nesta noite as bancadas estavam quase completamente preenchidas de espectadores. E não estavam lá para assistirem a mais umas provas do decatlo ou para as eliminatórias dos 1500 metros. As pessoas estavam lá para ver Usain Bolt – e, por isso, mal os écrans do estádio mostraram o jamaicano a aquecer, todo o estádio irrompeu em aplausos e gritos.
Durante a prova, após um silêncio sepulcral e surpreendente (sempre é o Brasil, não é…), os gritos de incentivo ultrapassaram tudo no momento em que Usain Bolt surgiu na curva à frente de toda a concorrência e terminou com 19,78 segundos, demonstrando que continua a ser o mais rápido – e nunca se saberá que a chuva que caiu, minutos antes do tiro de partida, teve alguma influência no ritmo da corrida.
Mas atenção que os cronómetros não enganam: Usain Bolt esteve mais lento no Rio do que em qualquer um dos seus anteriores Jogos Olímpicos. Mas apesar de estar a abrandar – “estou a ficar velho”, reconheceu após a final dos 200 metros – , Usain Bolt ainda continua a atingir marcas estratosféricas para os outros corredores. Os 19,78 com que ganhou, na quinta-feira, os 200 metros tinham-lhe chegado para ganhar também em Pequim e em Londres – onde, no entanto, venceu com os tempos de 19,30s e 19,32s.
“Só quero ser o maior”, voltou ele a afirmar no final da prova, ao longo das várias paragens na zona mista, a responder às várias solicitações dos jornalistas. “Quero ganhar um lugar na história entre os grandes, entre Muhammad Ali e Pelé”. Os brasileiros deliraram. E Bolt sorriu.
9. ‘Triplo-triplo’ e ponto final
4×100 metros, Rio de Janeiro, 19 de Agosto de 2016
Em Pequim, nos seus primeiros Jogos, Usain Bolt correu no terceiro percurso da estafeta, entregando o testemunho a Asafa Powel, para este cimentar o recorde do mundo. Em Londres e no Rio, a ordem foi trocada e Bolt passou a ser o homem que corre os últimos 100 metros e corta a meta. Na capital britânica fê-lo com novo recorde mundial. No Rio de Janeiro não bateu recorde, mas acrescentou-lhe dois factos para a história: tornou-se o primeiro atleta a ganhar por três vezes as três principais provas de velocidade e… correu pela última vez em Jogos Olímpicos.
Era esse o programa especial da noite que, por isso mesmo, fez quase esgotar a lotação do Estádio do Engenhão, numa noite amena. A estafeta de 4×100 metros era, naturalmente, a última prova do programa, marcada para as 22 e 30 da noite carioca. Mas devido ao atraso no salto à vara feminino, a prova começou alguns minutos mais tarde – a organização fazia questão que a despedida de Bolt fosse mesmo a última prova da transmissão televisiva e para os espectadores no estádio.
Do lado jamaicano, a estafeta quase não teve história e, segundo contou Bolt, tudo correu como previsto. “Eu tinha pedido aos rapazes para não me obrigarem a trabalhar muito e foi isso que eles fizera. À entrada do último percurso já traziam uma vantagem confortável e eu só tive que correr para a meta, sem grandes preocupações. Limitei-me a correr”, explicou o jamaicano.
Bolt fez equipa com Asafa Powell, Yohan Blake e Nickel Ashmeade, que concluiram a prova em 37,27 segundos, à frente de um surpreendente Japão e do Canadá, após a equipa dos EUA ter sido desqualificada e, assim, perder a medalha de bronze… apesar de já terem dado a volta de honra à pista.
Na zona mista do Rio de Janeiro, oito anos depois da sua primeira experiência em Pequim, Usain Bolt mostrou-se igual ao que sempre foi: disponível, extremamente profissional e incapaz de não responder a um solicitação sempre que lhe estendem um magote de microfones à frente. Está menos brincalhão e fogoso, mas mantém o à vontade e a boa educação. E sabe sempre o que deve repetir a cada grupo de jornalistas que vai encontrando ao longo do percurso demorado (neste caso foram mais de 90 minutos) até ao balneário: “É muito bom ter entrado para os livros de história do desporto. Sou o maior. Estou muito orgulhoso com isso”.
Quando lhe perguntam como conseguiu essa proeza de vencer todas as finais olímpicas em que participou ao longo de oito anos, ele responde com duas palavras: “Suor e lágrimas”.
Na pista, ao longo desses anos, tudo se manteve igual: Bolt ganhava e os outros perdiam. Mas nos bastidores dos estádios olímpicos tudo está diferente. Em 2008, os fiscais do comité organizador andavam sempre atentos para impedir a tomada de imagens na zona mista. Doze anos depois, apesar dos avisos escritos a indicar que essa proibição se mantém, não há jornalista ou voluntário dos Jogos Olímpicos que não tente tirar uma foto ou uma selfie com Usain Bolt – e ele colabora o mais que pode com isso.
Será que vai ter saudades deste ambiente? Ele respondeu à… Usain Bolt: “Acho que vou ter saudades do público a gritar pelo meu nome, mas das entrevistas não. Só esta noite já dei mais de 500”.