No peito de um hater também bate um coração
E de repente decidi que os Festivais de Verão já não são para mim. Dei por mim a pensar que preferia estar no sofá da sala a ver televendas do que ali no meio de uma multidão incomodativa e barulhenta durante um concerto que deixou de falar comigo. Primeiro dia, cheguei tarde e nem tive tempo para uns finos com amigos. Em palco, o senhor Alex Turner não colaborava. Desfiava as canções dos Arctic Monkeys com um ar de crooner que, aos 32 anos, ainda não pode ser. O cabelo puxado para trás e os óculos muito anos 70 faziam pensar no look do ‘nosso’ Tigerman mas a electricidade de rocker endiabrado não morava ali. Há uma linha – ou, se preferirem, uma corrente – que nos liga, a nós, espectadores, ao palco durante os concertos. A dada altura, essa corrente quebrou-se, não resistiu nem ao aborrecimento provocado pela grande maioria das canções da banda inglesa (que já teve na energia jovial de quem descobre o rock o seu grande trunfo) nem ao grupo de betinhos parvos e faladores à frente do meu nariz. O pior estava para vir quando, na hora do regresso, me vi naquela marcha de almas penadas a subir o viaduto do IC17-CRIL para depois descer na direção contrária (só não critico muito essa opção de saída da organização do NOS Alive porque a verdade é que não me ocorrem alternativas melhores que também evitem o congestionamento, obviamente perigoso, no túnel sob os comboios). O que aprendi nesse primeiro dia? Que o rapper Holly Hood é da Azambuja. Foi o público que o gritou bem alto, no palco NOS Clubbing, quando o músico perguntou “Vocês sabem de onde é que eu sou?”. E confirmei que é mais fácil, hoje, ver putos a fazerem mosh em concertos de hip-hop do que de rock.
Agora, cumpre-me anunciar, com satisfação, que não foi preciso passarem, sequer, 24 horas para reconsiderar aquela decisão de que os festivais de Verão já não são para mim. Antes assim. Aconteceu logo depois de entrar no espaço do festival no segundo dia, cumprindo o objectivo de chegar a tempo de ver Eels. Ali no palco Sagres (ex-Heineken), de que guardo boas memórias de outros anos de Alive, de cerveja na mão, reconciliei-me de um momento para o outro com o festival. Encontrei um Mr. E aparentemente satisfeito com a vida e com o facto de estar ali a cantar para nós, com a sua banda. As boas energias, já se sabe, fortalecem a tal corrente que nos liga aos palcos, e vice-versa. Souljacker Part I, rock perfeito de guitarras furiosas e silêncios certeiros, seguida de uma versão surpreendentemente musculada de I Like Birds, chegaram para me fazer feliz por uns momentos (aos 46 anos, e com muitos festivais em cima, acho que não posso exigir muito mais a estes eventos). Encontros casuais que nunca falham, conversas, mais uma cerveja. Não foi necessário sair daquele palco para que outro concerto me mostrasse que vale a pena estar ali, nesta espécie de feira popular contemporânea do pop rock (e fado e stand up comedy e hambúrgueres e batatas fritas…). Os três Yo La Tengo ocuparam o palco com aquele ar de quem tem trabalho para fazer, nem antipáticos nem simpáticos. No fim, despediram-se com uns acenos e sorrisos quase tímidos. Entretanto, fizeram-me acreditar, uma certeza várias vezes confirmadas depois de períodos de grandes dúvidas, que sim, é bem possível assistir a bons concertos em contexto de festival, num espaço com milhares de pessoas nem sempre particularmente interessadas pelo que se passa nos palcos, a cada ano com um menor efeito surpresa. Não há como fugir a isto: os festivais de verão tornaram-se uma rotina. Mas aqueles 20 minutos finais de Yo La Tengo, com Georgia Hubley e James McNew a manterem a bateria e o baixo como um mecanismo de relógio e Ira Kaplan a dar largas a uma loucura controlada para guitarras eléctricas (uma corda rebentada passou a ser mais um instrumento de experimentação e distorção) ficam na memória. Contra as rotinas. E por falar em rotina… Os The National tocaram mais uma vez em Portugal. E voltaram a fazer valer todos os seus argumentos, somando à excelência das canções o carisma de Matt Berninger, um desses raros músicos de grandes bandas que não teme, antes procura, o contacto físico com o seu público. E que outra banda consegue pôr os espectadores a cantar em coro, com visível entusiasmo, “onde estarei no dia em que morrer? Onde estarei?”. No fim de tudo (ainda vi QOTSA, com o seu eficaz grau zero do rock) , evitei a procissão do IC17-CRIL e caminhei até à Torre de Belém. Menos mal.
O terceiro dia trazia um grande desafio. Era aquele em que o palco maior prometia o concerto que eu mais esperava ali: o de Jack White, mago contemporâneo das guitarras eléctricas. Mas não era esse o desafio. A noite prometia que eu me ia encontrar pela primeira vez com uma dessas bandas a que dedicamos uma continuada embirração e uma espécie de ódiozinho de estimação (o que será do futuro do nosso entusiasmo por bandas e pelo rock sem embirrações e ódios de estimação para alimentar acaloradas discussões?). Falo dos Pearl Jam, grandes cabeças de cartaz (mais nada se passava no recinto do Alive à hora do seu concerto) no reencontro com um público que os adora, um amor correspondido por Eddie Vedder (para quando uma casa em Portugal?). Sempre o achei desinteressante e irritante, líder de uma banda banal, sem pingo de criatividade. Os muitos ôôôô êêê ôôôs em coro, em quase todas as canções que não conheço mas imediatamente conseguiria acompanhar se quisesse, só reforçavam essa impressão de banalidade. Mas, bom… Os Pearl Jam deram aquilo a que se pode chamar um concerto do caraças. Tiveram a enorme multidão sempre na mão, são todos músicos rodados e sem falhas, e visitaram diferentes fases da banda conseguindo criar o efeito surpresa sobre o que iriam tocar a seguir (eu tinha especialistas ao meu lado que sabiam letras de cor). A minha parte favorita, e não o digo com demasiada ironia, foi o final: as versões contagiantes de Imagine, de Comfortably Numb e de Rockin’ in the Free World, esta com o incrível bónus de ver Jack White subir ao palco e juntar-se à banda de Seattle (também gostei de uma música dos Pearl Jam que só tem um minuto e parece mesmo rock a sério – chama-se Lukin, informaram-me). Não resisti a deixar-me conquistar, a corrente que me (nos) ligava ao palco era bem forte. No peito de um hater também bate um coração. E há lá melhor apelo, e mais oportuno, no final de um festival de música do que essa promessa de continuarmos a rockar num mundo livre? Pedro Dias de Almeida
As guitarras estão bem Alive
A edição deste ano do Nos Alive estava (também) talhada à medida de quem gosta de guitarras mais ou menos ruidosas. A expetativa perante o regresso dos britânicos Arctic Monkeys era grande. Há cinco anos que não editavam um novo disco e há quatro que não atuavam em Portugal. Se nós, fãs, estávamos ansiosos pelo reencontro, a banda talvez nem por isso…
O álbum Tranquility Base Hotel & Casino trouxe-nos uns rapazes mais maduros, numa aparente crise de identidade – fenómeno que tantas vezes acompanha o confronto com a idade adulta. Essa desorientação pode conduzir a caminhos mais felizes e não há nada de errado em procurar palmilhar novos trilhos, mas nem sempre esta deambulação foi eficaz durante a atuação no Passeio Marítimo de Algés. Teria sido bem mais fácil embarcarmos nesta errância num concerto de sala. Houve o cuidado de uniformizar o reportório ao estilo crooner do mais recente álbum, mas também aconteceram explosões de eletricidade. Brianstorm, a segunda canção do alinhamento, foi um bom exemplo – o momento seria aproveitado por muitos para lançar copos de cerveja ao ar, alguns ainda meio cheios, com consequências para os mais incautos (posso garantir que não é agradável levar com um copo em queda livre na têmpora), lembrando o início da sexta-feira 13 aos supersticiosos..
Os Arctic Monkeys deram um bom concerto, mas não o concerto memorável que gostávamos de ter visto. Faltou chama. O agora trintão Alex Turner não parecia particularmente feliz por estar ali e o seu distanciamento fez-nos pensar que o sexagenário David Byrne se terá divertido muito mais no concerto dado na quarta-feira anterior, em Cascais, no EDP Cool Jazz, do que estes jovens rapazes no palco do Nos Alive. O erro de avaliação pode ser nosso, já que esta postura algo cínica faz parte do encanto do inatingível Alex Turner. Muito pouco comunicativo, a sua frase mais reveladora seria a introdução ao tema I Bet You Look Good on the Dancefloor, um dos maiores hits da banda: “Quando escrevemos esta canção, em 2004, ela tinha muito pouco significado para nós. Hoje, tem ainda menos”. Quem nunca gostou de um cafajeste estiloso que atire o primeiro copo…
Conciliar o horário de trabalho com o cartaz dos festivais é sempre um desafio com grau de dificuldade elevado. Ao segundo dia, a corrida foi em direção aos The National, no Palco NOS, já depois das nove da noite, uma daquelas bandas com uma relação de amor com Portugal – foi o 15.º concerto por cá. Nunca desiludem. O vocalista, Matt Berninger, conseguiu mostrar a presença e o envolvimento que faltou a Alex Turner – fez, inclusivamente, uma incursão pelo meio do público para ir buscar uma cerveja que acabou por não beber, atirando-a igualmente ao ar.
Seguiram-se os Queens of the Stone Age na sua euforia de rock de cartilha. O líder da banda, Josh Homme, não inspira grande empatia ou simpatia – a agressão a uma fotojornalista durante um concerto na Califórnia, no ano passado, poderá contribuir para isso… O concerto, esse, foi competente e conseguiu inflamar o público a espaços. Um dos melhores momentos seria a menos acelerada Make It Wit Chu – mas sentimos a falta de PJ Harvey no refrão como se ouve nas Desert Sessions.
No último dia do festival, os Franz Ferdinand mostraram como se faz um concerto certeiro num grande festival. Apaixonado por gastronomia – chegou a ter uma coluna sobre cozinha no jornal britânico The Guardian – Alex Kapranos soube seguir a receita e entregou ao público um cozinhado perfeito entre temas dançantes e riffs assertivos.
Se era de riffs de guitarra endiabrados que estávamos à procura, foi Jack White quem melhor satisfez esse desejo. “Estão comigo?”, começou por perguntar. E estávamos. Há uma fantástica cena no filme Only Lovers Left Alive (2013), do realizador norte-americano Jim Jarmusch, em que a suposta casa onde cresceu o músico de Detroit é apresentada como se de um monumento se tratasse. E não custa acreditar que Jack White irá figurar num qualquer panteão das lendas do rock contemporâneo.
Com a multidão bastante compacta diante do palco principal – não havia mais nenhum concerto àquela hora – chegaram os muito aguardados Pearl Jam. Há oito anos que não atuavam em Portugal e parecia um regresso a casa. Só os espetáculos que o público quer realmente ver amainam a verborreia desenfreada da assistência, surpreendentemente sempre com tanto para dizer e, na mesma medida, com tão pouca disponibilidade para ouvir. Diante dos Pearl Jam, lá à frente, todos pareciam siderados e focados na cantoria, sem gaguejar.
Eddie Vedder voltou a trazer a sua cábula em português e a dizer-se feliz por estar de volta. Os Pearl Jam não se reinventaram musicalmente ao longo dos anos e isso foi algo que me afastou deles ainda na adolescência – mas colecionava muitas letras de canções na memória. Com este concerto, os rapazes de Seattle recordaram-me como foram um bom ponto de partida para descobrir outros caminhos musicais – basta pensar no encore com Imagine de John Lennon, Comfortably Numb dos Pink Floyd, ou Rockin’ on the Free World de Neil Young. A intervenção política da banda – Eddie Vedder dedicou o tema Can’t Deny Me “às mulheres e aos homens que as apoiam” na luta pela igualdade de género – mostra como estes cinquentões ainda não desistiram de tornar o mundo num sítio melhor, procurando fazer dos protestos celebrações. E não têm pruridos em tentar comprometer os fãs com as causas em que acreditam. A sua entrega, e a sua honestidade, são bons motivos para sentir que foi bom rever estes velhos amigos, ainda que sigamos em ritmos diferentes. A subida ao palco de Jack White, que se juntou à banda em Rockin’ on the Free World, foi o culminar de três dias focados nas guitarras. O privilégio de assistir a este encontro fica marcado na história do festival e na biografia de quem lá esteve. Afinal, o rock esteve bem vivo no Alive. Vânia Maia
Da arena ao sofá
O primeiro dia de NOS Alive não estaria feito para dividir opiniões, mas com o lançamento de Tranquility Base Hotel & Casino, o muito esperado sexto disco dos Arctic Monkeys, seria no mínimo interessante saber como a banda que esgotou estádios e festivais com AM (fomos muito felizes a vê-los em 2014, também no NOS Alive), ia agora encher esses mesmos espaços com baladas e sonoridades vindas diretamente dos anos 70. Ainda mais para quem transpirou em vários concertos da banda de Sheffield ao longo dos anos, tanto em pequenas salas de Londres logo em 2006 e 2007, como no enorme Earl’s Court, em 2013, também na capital britânica.
Tudo começa e acaba em Alex Turner, o vocalista que é muito mais do que isso. Nada contra o fato de corte impecável, o ton sur ton ou os óculos roubados a Vincent Gallo. O problema, sobretudo para quem segue a banda desde sempre, é que Turner deixou de ser genuíno. Claro que a ironia sempre esteve lá, mas servia para falar daquela noite em que se foi barrado pelos seguranças de uma discoteca qual regime totalitário, da perfeita fragilidade dos one night stands ou de como a música passou a ser feita para os toques de telemóvel. Há momentos em que o resto da banda parece não saber muito bem o que está ali a fazer – menção especial para a sempre pujante bateria de Matt Helders, que se torna difícil de ouvir por detrás do ego ligeiramente insuflado de Turner.
Qualquer comparação com o concerto dos Nine Inch Nails um par de horas antes, seria frustrante, rock sem filtros nem truques, Trent Reznor a falar diretamente para o público com a sua energia quase visceral. Não foi preciso mais para sairmos dali com um sorriso de orelha a orelha. O mesmo se pode dizer dos Queens of the Stone Age, na noite seguinte, que vi do sofá com uma chávena de chá preto por estar doente, a contrastar com o copo e o cigarro que Josh Homme, o vocalista, trouxe para o palco. Mais de vinte anos depois, a banda da Califórnia continua a encher-nos todas as medidas – se os primeiros discos são difíceis de superar, os mais recentes …Like Clockwork (2013) e Villains (2017) também nos fazem acreditar que é possível continuar a fazer rock com substância e muito boa pinta.
Apenas um esclarecimento: há muito de interessante para ouvir neste sexto álbum dos Arctic Monkeys, que bem podia ser um disco a solo de Alex Turner e que tem muito de Serge Gainsbourg e dos The Last Shadow Puppets, uma viragem de som inteligente e de letras certeiras. Só que este nova versão da banda já não nos faz transpirar. Rosário Mello e Castro
Estar Alive, esta coisa das emoções fortes
Sempre gostei de fotografar espectáculos pela elegância da iluminação de um palco, a surpresa que tanto ensaio imprime ao que vemos à frente do pano, a beleza que está no pormenor e o espanto nos olhos de quem vê e ouve nas primeiras filas, esse privilégio do lugar marcado no bilhete de quem o comprou a tempo de ali estar.
Mas isto é um festival e os lugares marcam-se de pé, ao sol e à chuva, ao calor e ao frio e de comida na mochila pelo êxtase de chegar cedo para ver primeiro, ver mais perto e sentir melhor, porque as colunas são boas mas o som sente-se mesmo é lá à frente, onde todos sabemos as letras de cor e as gritamos em conjunto, sardinhas-em-lata-por-uma-causa, sabendo que ninguém vai sentir aquilo como nós mas que, no fim, sentimos todos da mesma maneira, e é por isso que lá estamos.
Já vi alguns bons concertos assim e, abrindo uma exceção aqui e ali, tenho hoje em dia algumas saudades de ser a pessoa que corria quando as portas abriam, de mochila leve, quando a câmara fotográfica não era tão pesada. Mas escolhi ver três músicas de cada concerto – o que nos é permitido fotografar – e carregar câmaras pesadas ao ombro pela outra urgência, que é a de registar os que ainda correm, os que cantam a plenos pulmões, os que passeiam entre palcos à descoberta e aquilo que todos eles vêem e descobrem lá em cima: os nomes que me fazem tremer, como Arctic Monkeys, Jack White ou The National, ou os que levo comigo daquele Palco Sagres que é, por si só, uma descoberta a cada ano. É por esta adrenalina de nos mandarem para a frente do palco quando as luzes apagam, aqueles segundos às escuras que antecedem a chegada de uma banda, a expectativa que faz o público gritar de histeria e depois os primeiros acordes, os primeiros versos, o pó no ar que os pés levantam e nós ali, que disparamos tanto na esperança de captar a essência de tudo, a cumplicidade entre os músicos, o pormenor da palheta e da tatuagem escondida, um gole ou outro naquele copo tão discreto ao pé da bateria, os saltos no ar como se nunca tivesse havido chão, a hiperatividade de quem quer pisar o palco inteiro e essa inquietação de quem está do outro lado, dos que pedem para subir lá acima, dos que tentam apanhar a baqueta, dos que escrevem os versos da letra a bold num cartão improvisado e nós ainda ali, a tentar fazer a ponte entre uns e outros num fosso tão cheio de fotógrafos, todos pelo mesmo e com maneiras de ver tão diferentes, porque olhar é outra coisa.
O meu Alive são essas pessoas todas com quem trabalho, com quem me cruzo, em quem tropeço e que vejo e guardo através da lente. É a senhora que me oferece um “paninho de óculos, menina” quando me vê, aflita, a tentar limpar as objectivas com a ponta da camisa a meio de um concerto. É o casal de namorados que fotografo à socapa e que interrompe um beijo para que ele me diga que “não faz mal, pode fotografar, ando com a gaja mais gira do festival!”. É o grupo de oito ou dez homens do norte já sem camisa que me rodeia, a meio da loucura que foi Franz Ferdinand, para gritar “this fire is out of control, I’m gonna burn this city, burn this city” e do maior deles todos, que agarra nos outros e grita mais alto “OLHA A CÂMARA DA MIÚDA, C******!”, mas mal ele sabia que estava tudo bem e que era isso que a câmara da miúda mais queria. É até dos que se metem à frente da lente e que, às vezes e sem querer, me fazem a fotografia sem que ela estivesse lá antes.
E é dos colegas com quem corro para o fosso para não chegar em cima da primeira música, dos que encontro de ano a ano naquela sala de imprensa onde nos tentam receber tão bem, dos sorrisos que estão sempre lá e que são sempre os mesmos, como se nos tivéssemos visto ontem nestas mesmas andanças. É daqueles com quem aprendemos a fotografar e com quem continuamos a aprender, porque nunca vamos saber tudo (nem queremos). É dos que escrevem e dos que filmam, para que os que não foram também saibam como foi estar lá. Dos que nos emprestam um par de tampões para os ouvidos porque os nossos ficaram em casa, e já se sabe isto de estar sempre em cima das colunas nos lixa a audição. É dos que já conhecíamos o trabalho e o nome mas que só ganham cara ali, entre câmaras e cafés e computadores e notas de imprensa e três garfadas rápidas no arroz de pato, que está a começar outro concerto e temos de correr até ao fosso para sentir aquilo tudo outra vez. Diana Tinoco
Os pequenos grandes concertos
Não é Woodstock quem quer. E já vai tão longe esse espírito festivaleiro. Por um lado, ainda bem. Já não suportaria aquele snifar de poeira doutrora, está bem melhor a terra alcatifada, que ainda assim permite que as pessoas se sujem, mas não demasiado. Os músicos dos festivais, engrenagem de uma indústria, habituaram-se a repetir os momentos únicos em cada megaconcerto. E o público delira como se tudo aquilo fosse criado apenas para aquela ocasião. É correspondido o jogo de enganos. E há uma monumentalidade inigualável quando se está entre, ou perante, dezenas de milhares de pessoas. Até custa a crer que tal se possa tornar banal.
Há um estudo que atesta que, com a idade, o público vai-se afastando das primeiras filas dos concertos. Eu afastei-me tanto que fui parar a outros palcos. No meu pequeno Alive – teve que ser assim por motivos pessoais e profissionais – dediquei-me sobretudo a palcos secundários. Até porque, na impossibilidade da omnipresença, há que fazer opções. Houve grandes momentos. Vi os Eels em excelente forma no Palco Sagres.O concerto foi pesado, rock, cheio de momentos de humor. Gostei particularmente da versão acelerada de I Like Birds.
Para ver os Yo La tengo ainda estava menos gente. Talvez se explique por coincidir com a atuação dos National, no palco principal. O concerto foi fenomenal. Em vez de um power trio, formam um verdadeiro trio dinâmico, no sentido em que todos se transmutam, trocam de posições, e assumem vários papéis. Tanto matam a melodia com o ruído como matam o ruído com a melodia. Ira Kaplan levou o público ao delírio, quando próximo do final, perante uma solidez de bateria e baixo de Georgia Hubley e James McNews, esfrangalhou não uma, mas duas guitarras, como se fossem galinhas, numa distorção e feedback ensurdecedores. Fê-lo com a concentração e profissionalismo de um músico de câmara.
Ainda no mesmo palco, a banda do Alasca com o curioso nome Portugal. The Man aliou música e humor, com a participação virtual dos já vintage cartoons Beavis and Butthead. Fizeram do concerto uma algazarra, com o recurso até a insólitas rapsódias, que passaram, por exemplo,por Another Brick on the Wall, dos Pink Floyd.
Os americanos Clap Your Hands Say Yeah!t também deram um concerto cheio de energia, com o rock bastante pop, tentando cativar as pessoas que começavam a sair para ir ver Jack White. O momento alto foi quando tocaram The Skin of My Yellow Country Teeth, do primeiro álbum. Por mais canções que criem, aquele continuará a ser o seu grande hit.
Boa ideia foi criar ali perto um palco para pequenos concertos no intervalo dos grandes. Pelo Coreto passaram bandas portuguesas e propostas tão interessantes como Bernardo – uma portuguesa que vive em Londres com uma voz poderosíssima -, Beatriz Pessoa ou os fabulosos Cachupa Psicadélica. Um palco com futuro. Manuel Halpern