O Governo quer, Rui Moreira já a pedia há dois anos, e agora parece ser de vez: a coleção de 85 obras de Joan Miró que o Estado herdou na sequência da queda do BPN está a uns quantos imbróglios burocráticos e financeiros de ficar no Porto. O anúncio foi a parte mais fácil. O difícil vem já a seguir.
Quanto valem as 85 obras do pintor e escultor?
A Christie´s, uma das maiores leiloeiras de arte do mundo, avaliou este conjunto de obras de pintura e desenho em cerca de 36 milhões de euros líquidos, considerando-a “uma das mais extensas e impressionantes ofertas de trabalhos do artista que alguma vez foi a leilão”. O BPN comprou as obras a um japonês em 2006 por 34 milhões. Aquando da nacionalização do banco, o Estado ficou com a coleção. Ou seja, cada português pagou perto de quatro euros para ficar com os “Mirós”.
Desde quando a Câmara do Porto deseja a coleção?
Pelo menos desde a primavera de 2004, quando o empresário angolano Rui Costa Reis, com investimentos no imobiliário, na área alimentar e até em Hollywood, se dispôs a comprar a coleção. O seu interesse era instalá-la no Porto, assegurando, inclusive, a manutenção. A Câmara mostrou-lhe vários espaços e a sua escolha recaiu no Palacete Pinto Leite, entretanto vendido pelo município. Na altura, o Governo de Pedro Passos Coelho recusou a ideia de transferir a coleção para a cidade Invicta. A preferência era para a venda das obras.
O que mudou com a “geringonça” em relação aos “Mirós”?
Quando António Costa tomou posse, liderando um governo PS com apoio parlamentar à esquerda, logo ficou decidido que a coleção não sairia das mãos do Estado. Na altura, o presidente da autarquia portuense, Rui Moreira, falou com o primeiro-ministro e com João Soares, então ministro da Cultura, reforçando a disponibilidade para receber a coleção. Ambos acataram a ideia, mas não se definiram detalhes. Logo nessas conversas ficou decidido que a coleção seria mostrada primeiro em Serralves, o que irá acontecer a partir de 30 de setembro. No museu estarão expostas a maioria das obras deste acervo, composto por diversos desenhos, óleos e guaches, representativos das várias fases de criação do artista. Segundo a Christie´s, trata-se de uma coleção de arte moderna “de primeira importância”.
Como é que a decisão se precipitou?
No domingo, 24, Luis Filipe Castro Mendes, reafirmou, em entrevista ao Público, a vontade do Governo em transferir os “Mirós” para o Porto, assim a Câmara queira. No dia seguinte, Moreira insistiu no que já havia dito pessoalmente ao ministro poucos dias após a sua tomada de posse, na sequência da demissão de João Soares: sim, a cidade quer as obras do artista catalão. “A boa notícia é que, finalmente, ao fim de tanto tempo, se percebeu que esta coleção fica bem no Porto”, explicou o autarca.
Quando é que a coleção irá para o Porto?
Essa pergunta vale bom dinheiro. Para já, duas equipas técnicas, uma da autarquia e outra do Ministério da Cultura, vão iniciar conversações para definir os passos a dar em termos burocráticos, logísticos e financeiros. A exposição a inaugurar em Serralves “será uma boa oportunidade para especialistas, peritos e curadores avaliarem a coleção e a sua coerência para que possamos ter uma ideia mais concreta do seu valor e da melhor forma de valorizá-la e acolhê-la”, adiantou à VISÃO fonte oficial do gabinete de Rui Moreira. Outra questão é saber se as obras irão todas ser acolhidas pelo Porto ou apenas uma parte delas. O Porto gostaria que fossem todas.
Onde poderá ficar localizada a coleção?
Primeiro, o Governo terá de decidir se quer criar um museu nacional sediado na Invicta para acolher a exposição permanente ou se pretende integrar as obras num museu municipal. Aqui entram questões orçamentais delicadas, tendo em conta os investimentos a fazer e por quem, e o património que poderá vir a ser negociado entre o Estado e o município. Uma coisa é certa: a freguesia de Campanhã desenha-se como um dos destinos mais fortes na “candidatura” a receber a coleção. Por várias razões. O investimento na zona oriental da cidade é uma das prioridades de Rui Moreira, e começam a dar nas vistas as dinâmicas culturais naquele lado da cidade, esquecido durante décadas. Um dos projetos de maior envergadura é a reconversão do antigo matadouro, prometida para 2017. A ideia é albergar ali um equipamento com valências em várias áreas, da coesão social à museologia, passando por polos de indústrias criativas e das artes, entre outros. “Mas há outros espaços possíveis na freguesia”, garante fonte oficial da autarquia, sem revelar mais pormenores. “Neste momento, podemos apenas dizer que Campanhã não é uma hipótese a excluir. Bem pelo contrário”, assume-se no gabinete da presidência.