Outubro de 2015, dia 9, salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça. Na última cerimónia de abertura do Ano Judicial com a presença do Presidente da República Cavaco Silva, a bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, rompeu a solenidade. Quando chegou a sua vez de discursar, fez mais um ataque cerrado à então ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, sentada ali a escassos metros.
Também se sabia que era igualmente a derradeira abertura do Ano Judicial em que Paula Teixeira da Cruz participava como governante. Mas a bastonária não a poupou. Criticou o “mundo virtual do sucesso das reformas propagandeadas”, a “produção esquizofrénica de legislação” e, a propósito do novo Mapa Judiciário, falou em medidas “impostas de forma autocrática, por quem não conhece as assimetrias do País” e as “desigualdades das suas populações”, contribuindo assim para o “descrédito da Justiça”.
Seis meses passados sobre esse discurso demolidor, a VISÃO encontra agora uma bastonária dos advogados apaziguada. As reuniões com a atual ministra, Francisca Van Dunem, são frequentes. “Iniciou-se um novo ciclo de diálogo construtivo”, diz Elina Fraga, curiosamente militante do PSD. E a desconstrução do Mapa Judiciário de Paula Teixeira da Cruz tem estado em cima da mesa.
Em breve, saber-se-á que tribunais encerrados ou “desqualificados” (passaram a “secções de proximidade”) estão em condições de ser reabertos. O objetivo, explica Elina Fraga, é o de, a partir de 1 de setembro, no arranque do próximo Ano Judicial, “todas as diligências serem feitas no respetivo tribunal de município”. Tudo acontecerá ao contrário do que agora sucede. Em lugar de os advogados e seus constituintes se deslocarem às capitais de distrito, serão os juízes e procuradores do Ministério Público a viajarem para os tribunais concelhios.
Este é um exemplo que permite à bastonária dizer que a Ordem “está muito confiante” na prestação da ministra Van Dunem. “Tem um conhecimento rigoroso dos constrangimentos da Justiça e do que é preciso fazer para aproximar os tribunais dos cidadãos”, elogia Elina Fraga.
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O problema é que as reivindicações da Ordem não se esgotam na contestação ao Mapa Judiciário. A bastonária elenca um extenso cardápio.
“Redução drástica” das custas judiciais, para “compensar o agravamento a que os cidadãos foram sujeitos” pelo anterior Governo; “reforço dos atos próprios dos advogados”, para terminar com as “práticas criminosas das empresas de cobranças difíceis” e da “procuradoria ilícita”; compensação das “deslocações que os advogados são obrigados a fazer”, por causa do Mapa Judiciário de Paula Teixeira da Cruz; e “regresso aos tribunais” das ações de inventário (heranças e partilhas), que a anterior ministra entregou aos notários, os quais “não possuem qualificações para dirimir conflitos”, provocando uma “situação caótica”.
E Elina Fraga considera “uma obrigação” da nova maioria na Assembleia da República alterar a lei do Estatuto da Ordem dos Advogados, outra herança de Paula Teixeira da Cruz, que entrou em vigor em setembro de 2015. Um dos pontos mais contestados é a possibilidade que a legislação abre de sociedades multidisciplinares estrangeiras, com advogados e não-advogados, se instalarem em Portugal, ou tornarem-se sócias de escritórios portugueses. “Isto mostra o desprezo da ministra pela independência dos advogados e a sua intenção de os transformar em assalariados das grandes consultoras”, comentou, à época, a bastonária. Agora, à VISÃO, Elina Fraga lembra que “toda a esquerda”, PS incluído, “votou contra” a respetiva proposta de lei do anterior Governo…