Constança Raposo Cordeiro gosta de romper convenções. E até de ir contra a rotina, contra as ideias feitas, os conceitos pré-estabelecidos. “Estabelecidos por quem?” é fácil imaginá-la a questionar. Então, depois de ter dado a Lisboa um dos bares de cocktails mais originais da cidade, o Toca da Raposa, assente na ideia de foraging, e de ter vestido a pele de uma merceeira durante a pandemia, na Mercearia Aurora, em São Pedro do Estoril (hoje fechada), deu por si a querer uma aventura nova na área que melhor domina: os cocktails. “Precisava de me desafiar”, explica. E foi em frente. Abriu o Uni, um novo bar de cocktails no Príncipe Real, totalmente diferente do seu primogénito, com um menu quase telegráfico, composto por 10 cocktails feitos com 10 a 15 ingredientes cada. Ao cliente é apenas apresentado um nome (Orana, Temprem, Oz, Shaia por exemplo), um número curto de linhas orientadoras (fumado, ácido, puro, terroso) e um preço único: €16. O resto é surpresa. E é tudo diferente daquilo que já se provou, porque cada cocktail nasceu da ideia de“criar um sabor novo”. Ideia essa que Constança conseguiu concretizar.
Antes de seguir para a explicação deste processo criativo, apenas uma nota obrigatória: o Uni é um nano-bar com um balcão único central, à volta do qual está a anfitriã desta história e se sentam a beber apenas nove clientes em simultâneo – não há lugar para mais. O móvel é espelhado no topo, mestria da empresa norueguesa Behind Bars, e feito de uma grossa esponja recortada, a fazer lembrar uma pedra vulcânica preta na base, trabalho de João e Carolina Parrinha, da Softrock. As paredes da sala retangular estão tapadas com cortinas lisas, o que dá a sensação de estarmos dentro de uma nave espacial. Inusitado? Sim. Funcional? Também.
Na génese do Uni está um carrossel de perguntas que Constança fez a si própria, às quais foi respondendo e, peça a peça, construindo o conceito. “Primeiro pensei em fazer um novo sabor. Mas o que é um novo sabor? É uma conjugação de ingredientes que já existem. Dou sempre o exemplo da Coca-Cola. A combinação de vários sabores dá um sabor único, daí o nome Uni”, explica. Definida a teoria, era tempo de passar à prática: “Como é que vou fazer isto? Por onde começo? Pensei na cor branca. Fiz uma lista de ingredientes que me ligavam ao branco. Juntei os sabores em partes iguais e a partir daí passei para as proporções.” Repetiu a experiência com a cor preta, e depois foi juntando outros sabores que queria trabalhar. “Tenho o Orana [inspirado na Fada Oriana, conto de Sophia de Mello Breyner Andresen], que é frutado, refrescante, ácido, sumarento; ou o Temprem, que é verde, vegetal, aromático, nutty”, exemplifica. Cada um dos dez cocktails da carta é composto por ingredientes feitos por Constança e pela equipa, vendido a um preço único. Constança não revela os produtos usados, mas sublinha que o álcool tem pouca presença, por “ser um condutor de sabor.”
Com nove lugares, que podem ser reservados através da página de Instagram (@uni_cocktail), há também espaço para quem chega sem reserva – pode é ter de esperar na linha. É Constança quem abre a porta, quem senta e quem questiona os gostos dos clientes para saber o que vai servir. A experiência é totalmente diferente de um bar normal. A começar nos copos, mais sofisticados e de vidro fino, passando pelo ambiente, “mais high end”, diz, a terminar na música, com muitos nomes femininos, de Whitney Houston a Haim. “Tinha feito uma playlist mais futurista, mas acho que esta casa mais com a situação.”
Para já, vai estar sempre atrás do balcão a receber e a servir os clientes, com tempo para ir tirando algumas notas sobre futuros sabores a criar no Uni. Porque esta cabeça não para.
Rua de O Século, 204, Lisboa / qui-dom 18h-02h / reserva recomendada em https://letsumai.com/widget/uni