“Criar é irreversível e irrepetível”, lê-se num dos cadernos de Joana Vasconcelos, agora reproduzidos e transformados em peças de arte. A nota, escrita numa caligrafia bonita, em meados dos anos 90, é apenas uma das inúmeras reflexões sobre arte presentes nestes cadernos – mais adiante, nova observação: “temporalidade é o resultado de investimento de sentido” –, a par de esboços, desenhos, estudos de peças, rascunhos de cartas, colagens, listas de material de trabalho, números de telefone e até registo celebratório de datas importantes, exemplo do dia em que conseguiu o seu primeiro atelier. Os Cadernos da Minha Vida é um projeto da editora Urucum, que está a transformar em objetos-livro uma coleção de 50 cadernos pessoais da artista.
Esta viagem ao arquivo íntimo de Joana Vasconcelos começou em novembro de 2021, altura em que a artista fez 50 anos, e já deu à estampa 10 cadernos que podem ser vistos no site da editora (www.urucum.com). O primeiro é do ano 1989, o último de 1996. “Ainda não temos previsão de lançamento dos próximos”, confessa Lucia Bertazzo, responsável pela editora. É que cada um destes cadernos é uma verdadeira obra de arte, trabalhada, página a página, até ao mais ínfimo detalhe. Reproduzidos numa caixa-estojo de grande formato (48 x 38 centímetros), assinados pela artista, são encadernados de forma artesanal, à mão, e impressos num papel de fibra de bambu com gramagem elevada, com algumas folhas especiais em papel de algodão. Desde a capa à organização das páginas, são uma réplica, em versão luxuosa, das páginas anotadas pela artista ao longo dos anos. Há referências literárias, há desenhos com vários materiais, há estudos de cor, de estilos, há recortes de páginas – “respeitámos sempre o original”, diz Lucia –, há ideias soltas. Os cadernos contam ainda com uma carta do escritor Valter Hugo Mãe. “A Joana enviou-lhe um desenho de cada caderno e ele escreveu uma carta em resposta, que colámos em cada um dos cadernos.”
Cada um dos cadernos tem apenas nove exemplares impressos e inclui ainda um painel de 12 azulejos único, feito a partir de um desenho desse mesmo caderno (há, portanto, nove por cada caderno). “Através deles temos acesso à formação da identidade da Joana enquanto artista. Encontramos, por exemplo, várias versões daquilo que veio a tornar-se o logotipo dela, há outros onde se desenrola o processo criativo de algumas peças de joalheria, enquanto ela estudava no Ar.Co.,outros com pensamentos sobre arte”, conta a editora. “É um espólio muito interessante”, acrescenta.
A Urucum é uma editora portuguesa com ligação à brasileira UQ! Editions, resultado da mudança de Lucia Bertazzo do Brasil para Portugal, que já lançou projetos gráficos de Pedro Cabrita Reis ou José Eduardo Agualusa. “A Joana confidenciou-me que estes cadernos pessoais são muitíssimo importantes para ela. Têm mesmo todo o processo de trabalho desde a escola”, refere.
À boleia da ARCOLisboa foram apresentados à imprensa e colecionadores esta quarta feira no atelier da artista, em Alcântara, e estão à venda por 3180€ (preço especial de lançamento) no site da Urucum.