Marco Martins gosta de se envolver a fundo, com longos processos de pesquisa, ao estilo da sociologia participativa, nas histórias que conta, sejam feitas a pensar no cinema ou no teatro. Tal já tinha acontecido, por exemplo, no projeto desenvolvido com os trabalhadores do estaleiro de Viana do Castelo.
Em Great Yarmouth – Provisional Figures, esse intenso envolvimento resultou em dois diferentes objetos: uma peça de teatro, criada com os próprios trabalhadores, e agora este filme com uma combinação de atores profissionais e não profissionais,
Em Great Yarmouth há, de forma óbvia e inequívoca, uma intenção de denúncia de uma realidade atroz na supostamente civilizada sociedade inglesa contemporânea.
Trabalhadores portugueses foram contratados em massa e de forma temporária para trabalhos pesados, com horários desumanos, em fábricas de abate e de “tratamento” de perus, naquela cidade costeira, outrora estância de turismo. Trabalho semiescravo em condições deploráveis, favorecido por uma espécie de máfia de tráfico humano, que passa nas bordas da legalidade.
O filme é esse ambiente, pragmático, opressivo, de luta pela vida, um pouco como nas histórias neorrealistas de outrora, mas não seguindo a sua estética. Há sempre muito sangue, vísceras, rostos cansados, violência física e emocional.

Em grande parte, Great Yarmouth é o trabalho de uma atriz: Beatriz Batarda. No papel da mulher que contrata e cuida dos trabalhadores portugueses temporários, faz uma interpretação visceral, sorumbática, com uma tensão permanente. E ao mesmo tempo, a sua personagem vive uma cruel história de des(amor).
Este é um filme sobre violência. A violência laboral, com um quadro que ultrapassa em larga escala o que vulgarmente se designa por “assédio profissional” – os patrões ingleses gostam dos trabalhadores portugueses porque estes não se queixam. Numa escala mais pequena, de bullying extralaboral e de violência sobre as mulheres.
Tânia, que explora os trabalhadores e alimenta o sistema, enquanto tenta ajudá-los, é duplamente vítima: da violência doméstica imposta pelo marido inglês e da violência do suposto amante, que a usa quando ela finalmente tem esperança de sair dali e sobreviver àquele mundo.
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Great Yarmouth – Provisional Figures > De Marco Martins, com Beatriz Batarda, Nuno Lopes, Kris Hitchen, Romeu Runa > 113 min