A personagem Don Juan é revisitada pela enésima vez, agora numa máquina do tempo que a transporta para o séc. XXI e lhe dá uma segunda oportunidade (depois de ter aceitado o convite para jantar do fantasma do pai da donzela que o galã desflorou, tendo por isso sido condenado ao inferno). Com texto e encenação de Pedro Gil, Don Juan Esfaqueado na Avenida da Liberdade desdobra esta lendária personagem sevilhana na sua outra metade, em tudo aquilo que ela não era. Se, no século XVII, o Don Juan de Tirso de Molina era um fidalgo, cheio de moedas no bolso, seguro de si, rodeado por mulheres, no século XXI está reduzido à insignificância de um plebeu, sem dinheiro e sozinho, sem a certeza de que a sua existência faça grande sentido.
“A minha atração por Don Juan é antiga, atrai-me enquanto agente provocador”, diz Pedro Gil. “É o protagonista da história, mas é um vilão. A forma de ele operar é sempre a de desafiar a norma, desafiar a ordem estabelecida. Não é como o Robin dos Bosques, que rouba aos ricos para dar aos pobres, a graça aqui é que ele acaba por questionar as pessoas sobre a sua forma de vida”, continua. “O Don Juan é uma espécie de vírus, de problema, de doença, que, ao ser posto em determinado ambiente, vai acabar em sarilhos.” Há duas camadas de significação na narrativa: a extrospetiva, o eco de violência que Don Juan provoca nos outros, e a introspetiva, aquela que numa segunda oportunidade de vida o faz questionar-se a si mesmo. No século XXI, Don Juan torna-se mais perigoso porque é mais inocente. Encontra-se agora sem rede, e dá por si a contar as suas histórias de sedutor de outros tempos nas ruas da Baixa lisboeta a troco de esmola. Até que descobre o potencial do YouTube, e opera o elogio da mentira. “Há Don Juans que são mais do tipo ‘usar e deitar fora’, há Don Juans que dizem que não amam…”, remata Pedro Gil. “Falando de um tipo de Don Juan que ama verdadeiramente e tem uma componente romântica – também mais negra por isso –, o seu futuro acaba necessariamente por ser antiquado.”
Don Juan Esfaqueado na Avenida da Liberdade > São Luiz Teatro Municipal > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > até 2 dez > qua-sáb 21h, dom 17h30 > €12