Tudo por aqui é pintado de cor de rosa – e é numa parede dessa cor que se alinham os dez quadros de Maria Imaginário e de Mariana, a Miserável, criados para a exposição Love is a Losing Game, que está no Art Room, em Lisboa. Antes de lá chegarmos, teremos, no entanto, que tentar atravessar um labirinto de fitas cor de rosa que ocupa o chão deste discreto sótão junto ao Príncipe Real – e, avisa-se já, a tarefa, tal como a vida, não é nada fácil.
A um canto, descobriremos um balde onde se amontoam as folhas de sala da exposição, amachucadas como se fossem lenços de papel embebidos em lágrimas e atirados para o lixo. O amor é um jogo de derrotas, pois é. Noutra parede, branca, estão alguns objetos cor de rosa: uma raquete furada, um alvo com os dardos sempre longe do centro (alguns ao lado mesmo), uma mesinha com um pequeno tabuleiro de xadrês, uma bola de ténis e um troféu de um qualquer campeonato. Testemunhos de derrotas, sempre em tom de cor de rosa e branco, a lembrar que é de amor que aqui se fala.
Esta é a terceira exposição conjunta de Maria Imaginário e Mariana, a Miserável. Há quatro anos, fizeram Another History, dando novas vidas às mulheres que vemos nas pinturas clássicas: Mona Lisa, Venus de Milo, Grande Odalisca… Em 2015, juntaram-se de novo, em Eu Tenho Dois Amores, uma mostra inspirada na música ligeira portuguesa e nos êxitos românticos de Marco Paulo, Ágata, Quim Barreiros e outros que tais (vale a pena espreitar o Instagram de Mariana, a Miserável, para ver o que ela ainda faz com essas músicas). Quem conhece o trabalho das duas sabe que, por mais que os seus traços sejam diferentes, há sempre lugares onde as artistas se encontram. Desta vez, foi nos amores perdedores. Como elas dizem, fazem parte da mesma equipa: “A equipa dos incuráveis românticos, dos lesionados das emoções e magoados no coração. A equipa que perde.”
A ideia para estes corações partidos, aqui expostos qual fraturas, começou há já algum tempo, em torno da noção de falha. “No gozo, falámos de fail e lembrámo-nos da Cecilia Giménez, a espanhola de 80 anos que restaurou o Ecce Homo, e de como estava ofendida e espantada com os que a acusavam de ter destruído a pintura. Ela dizia ‘fiz o meu melhor’…”, recorda Edna Costa, a artista por detrás de Maria Imaginário. “E acabou por ser exatamente sobre isso esta exposição: sobre o falhanço, mas também sobre essa ideia de que fazemos o nosso melhor”, acrescenta Mariana Santos. “Há sempre boas intenções… mas depois corre sempre tudo mal”, notam. Foi neste ponto que as duas se focaram para Love is a Losing Game. “Somos losers, as pessoas com mais azar no mundo. E tentamos levar isso com sentido de humor”, afirma Maria Imaginário. Aos 30 e poucos anos, olham para o amor com alguma maturidade e com a capacidade que daí advém de se rirem de si próprias e das suas paixões, dos corações que se lhes partiram e que viram partir-se à sua volta. “Quisemos brincar com as nossas desgraças amorosas, com algum sentido de humor agridoce”, sublinha Edna.
Não falta ironia aos quadros que criaram e não lhes falta, sobretudo, um sentido de observação apurado. Aqui não existem ressabiamentos, antes uma divertida capacidade de transformar as coisas tristes noutras bem mais animadas, cheias de inspiração. As histórias em que se inspiraram, que são as delas, são também as nossas. Quem nunca se apaixonou que se chegue à frente para dizer que não sabe de que falam estes quadros. Mariana, a Miserável desenhou um baile com casais a dançarem slows por entre cascas de banana, parecendo nem sequer dar por elas (“é o perigo constante da queda”, descreve a artista); uma loser chorosa, com feridas e um coração esfaqueado, num cenário de destruição, que, ainda assim, convida o adversário para um novo jogo de ténis, “pronta para a arriscar de novo”; uma outra que tenta encestar bolas de basquete e falha, falha outra vez, falha sempre melhor; uma terceira que afirma que sempre teve boas intenções, apesar do bolo que tem nas mãos se estar a desfazer; e um desenho em que vemos uma cara começar por sorrir para acabar por chorar, à medida que um par de namorados se vai afastando cada vez mais, até ela o ver desaparecer (From lovers to strangers, assim se chama a peça). Desenhos sem meios termos nem paninhos quentes, mas sempre irónicos, certeiros e, sim, com alguma esperança, que isto do amor é mesmo assim: nunca aprendemos nem queremos aprender.
Também Maria Imaginário não perde a esperança, orgulha-se, mas nestas pinturas centrou-se mesmo foi nos amores perdedores. Num dos quadros, vemos um coração e um cérebro a andarem de baloiço, sempre desencontrados, para lados opostos, numa total falha de comunicação, o primeiro só a ver coisas doces e bonitas, o segundo nem por isso (“é a bipolaridade que há dentro de todos nós”, comenta). Num outro, mais pequeno, há uma pinhata em forma de coração de onde saem cobras em vez de doces, com meninos fofinhos de olhos vendados, em volta, prontos a darem mais umas pauladas (Hit me baby, one more time é o nome da pintura). Numa outra, a um campo de catos chega um suposto príncipe encantado, mas vem montado num cavalo de balões e de olhos tapados – uma ilusão, portanto, mais uma vez. Há ainda um coração a tentar partir um muro de mentiras com um martelinho de São João e um outro deitado na cama, de lágrima no olho, saudoso de quem ali já se deitou também. “É a minha catarse”, diz Edna, sempre crente nas coisas boas da vida. “Não teríamos chegado aqui e conseguido fazer uma exposição assim se não fossemos otimistas”, acrescenta.
Sim, aqui tudo é aparentemente cor de rosa e fofinho (não falta até um cortinado com florzinhas a compor o cenário), mas, atenção, a exposição vai direta ao coração. E não, não é lágrimas e choradeiras que provoca – antes sorrisos e algumas gargalhadas de quem se consegue rir com vontade de um pobre e miserável coração partido.
Love is a Losing Game > Art Room > Pátio do Tijolo, 1, Lisboa > até 21 nov, ter-sáb 14h-19h