
La Bayadère só seria dada a conhecer ao grande público no Ocidente nos anos 60 do século passado por Rudolf Nureyev. A estreia da sua versão integral no reportório da CNB assinala os 40 anos da companhia portuguesa
Bruno Simão
O pano de boca de cena da nova produção da Companhia Nacional de Bailado é o verso de um postal gigante. Fica, assim, anunciada a viagem que se seguirá em palco. A cenografia vai sendo composta por postais e selos que nos transportam para a Índia, lugar dos amores do guerreiro Solor e da bailadeira do templo Nikiya. Ele, noivo da filha de um rajá, ela, alvo da atração de um alto sacerdote brâmane. Um amor impossível que coloca em grande perigo o elo mais fraco da dupla de amantes, La Bayadère (a bailadeira), claro.
A trilogia amorosa está presente ao longo de toda a coreografia. Quando Solor dança com a noiva, a sombra do casal são três bailarinos, lembrando que Nikiya será sempre o terceiro elemento entre ambos. O jogo de sombras tem o seu auge no terceiro ato, aquele que eleva este bailado ao estatuto de clássico. Na derradeira cena, Solor, sob o efeito de ópio, reencontra a amada nos seus delírios, e é como se todos os espectadores o acompanhassem na alucinação ao verem as bailarinas multiplicarem-se em seu redor. “A entrada das ‘sombras’, aqui representadas por dezoito bailarinas, é toda ela muito minimal e simétrica. Esses passos simples, mas de um enorme efeito visual, são um preâmbulo da modernidade que se adivinhava”, explica Fernando Duarte, que trabalhou segundo a coreografia do célebre Marius Petipa, estreada originalmente em 1877, em São Petersburgo, na Rússia. Apesar da curiosidade que a Índia despertava na época, este é um bailado imperial de estilo Europeu. Fernando Duarte deu o seu cunho à coreografia adicional sublinhando a sensualidade indiana. La Bayadère, no entender do coreógrafo, revela-se “um exercício sobre a tentação”. A tentação do guerreiro perante a amada, da filha do rajá perante o desejo de vingança da rival, do sacerdote perante a bailadeira. “Qual é o nosso limite até recuarmos na tentação?”, interroga. Essa é a questão que nos ensombra a todos.
La Bayadère > Teatro Camões > Passeio do Neptuno, Parque das Nações, Lisboa > T. 21 892 3470 > até 23 dez, qua-sex 21h, sáb 18h30, dom 16h > €5 a €30