Miguel Leão só acreditou que um dia teria a sua própria barbearia depois de cortar o cabelo ao avô, uma pessoa “muito forreta”, e receber cinco euros
Mário João
Tarde de sol, descemos a Calçada da Glória, como fazem os turistas, para chegar à Travessa do Fala Só. A meio da rua, uma seta a dizer Belarmino indica o que procuramos. Depois, digamos que o momento teve algo de cinematográfico. Entrar numa barbearia e, ao mesmo tempo, começar a tocar Pretty Woman, de Roy Orbison, deixa qualquer mulher a pensar que realmente podia ser a Julia Roberts. Pretensões à parte, fomos conhecer Miguel Leão, que já perdeu a conta às vezes que teve de explicar que não se chama Belarmino. Fascinado por boxe desde miúdo, numa das idas com o pai à Feira da Ladra, descobriu uma velhinha cassete de vídeo de Belarmino. Sem saber que o filme de Fernando Lopes, de 1964, contava a história do pugilista Belarmino Fragoso, adensou ainda mais o seu interesse pela modalidade e pela época em que os homens a praticavam para ganhar algum dinheiro extra. “Este retrato da Lisboa dos anos 50 e 60 e o boxe desviaram-me da ‘porrada’ nas ruas e tornaram-me menos egoísta”, conta Miguel Leão, nascido e criado, há 40 anos, nos Olivais. Aos 14, “por brincadeira” começou por tosquiar os cães e depois os amigos. Só acreditou que um dia teria a sua própria barbearia depois de cortar o cabelo ao avô, uma pessoa “muito forreta”, e receber cinco euros. Uma nota que não gastou e está emoldurada na parede do seu estabelecimento. Ainda trabalhou em duas barbearias nos Olivais, antes de chegar à centenária Barbearia Campos, no Chiado, onde aprendeu a manusear a tesoura com os mestres, a saber que conversas não deve ter com os clientes e a fazer produtos caseiros como o after-shave Sublimado, com que as mulheres, nas décadas de 30 e 40, envenenavam os maridos. Nos quatro anos que ali trabalhou, cortou o cabelo a três gerações da mesma família. Os clientes mais jovens são agora os que lhe preenchem a agenda.
Desde que abriu, há quatro meses, a Barbearia Belarmino, a meio caminho entre a Avenida da Liberdade e São Pedro de Alcântara, Miguel Leão viu os seus clientes voltarem. É um estilo clássico inspirado nas barbearias americanas, embora a história da barbearia portuguesa se faça de tesoura e navalha. Com Rock Around The Clock Tonight a tocar, saímos com vontade de dançar o twist.
Mário João
The Lisbon Barber > Tv. do Fala Só, 15E, Lisboa > T. 96 483 8721 > seg-sex 9h30-18h, sáb 9h30-14h > cabelo €15, barba €10, cabelo+barba €20
Mário João