1. “Thanks for the Dance”, de Leonard Cohen
Na sua última entrevista, publicada na revista New Yorker, em outubro de 2016, o músico canadiano Leonard Cohen falava de algumas canções que “não são más” e que estavam a caminho de ser finalizadas. “Mas não acredito que consiga acabá-las…”, acrescentava. E tinha razão. Morreu, aos 82 anos, na noite de 7 de novembro desse ano, menos de dois meses depois do lançamento do seu derradeiro, e aclamado, disco, You Want It Darker. Derradeiro? Talvez não seja a palavra certa… Em novembro deste ano, foi editado Thanks for the Dance – não é feito de velhos inéditos, de lados B, de reprises; é justo chamar-lhe um novo disco de Leonard Cohen. Tem a marca do seu filho Adam Cohen, que já tinha tido um papel importante em You Want It Darker e que se encarregou, aqui, de compor e de produzir para a voz gravada do pai (nas tais canções que “não são más”).
Dos nove temas, dois distinguem-se claramente dos restantes: Happens to the Heart e The Night of Santiago revelam uma estrutura melódica naquela voz grave de Cohen, que é património universal da Humanidade. São, na verdade, as únicas canções do disco, no sentido mais clássico do termo.
Nas restantes, há uma cuidada produção musical para uma voz que, mais do que cantar, nos fala ao ouvido. Adam contou com muitos cúmplices para este trabalho difícil de dar aos esboços de canções aquilo que eles pediam, transformando-os de potências em atos, sendo o mais fiel possível ao estilo e gramática musicais do pai. Ganha alguma preponderância, por exemplo, o som andaluz do alaúde de Javier Mas, que acompanhou Cohen nos palcos do mundo. Mas há colaboradores mais surpreendentes arregimentados por Adam Cohen: Damien Rice, Feist, Richard Perry (dos Arcade Fire), Bryce Dessner (The National), Beck… Não há como evitar, ao longo de praticamente todo o disco, a sensação de estarmos a ouvir, vinda de muito longe, a voz de um fantasma – mas que fantasma!
2. “Western Stars, Songs From the Film”, de Bruce Springsteen
Aos 70 anos, o boss estreou-se como realizador de um filme. Western Stars explora visualmente as personagens do seu mais recente álbum (com o mesmo título) e é, ao mesmo tempo, um filme-concerto. Aqui ouvem-se as versões ao vivo das canções – além de uma versão de Rhinestone Cowboy, de Glen Campbell.
3. “Ghosteen”, de Nick Cave & the Bad Seeds
Nos últimos anos, Nick Cave aproximou-se do seu público como nunca antes, entregando-se em salas esgotadas, que conseguem parecer pequenas mesmo quando são enormes. Neste disco duplo lançado de surpresa em 2019, apura um registo inaugurado em Skeleton Tree (2016): etéreo, belo, de uma tristeza serena (a raiva ficou lá atrás). Nick Cave é, hoje, como um crooner que canta para nós a partir das nuvens.
4. “Magdalene”, de FKA Twigs
Foi já há cinco anos que FKA Twigs (nome artístico da britânica Tahliah Barnett) lançou o seu álbum de estreia, LP1. E não passou despercebido. Tornou-se um daqueles casos em que um artista é, ao mesmo tempo, causa e consequência. De certeza que há uma palavra na física para esse duplo impulso num mesmo movimento: empurrar e ser empurrado em simultâneo.
FKA Twigs apresentava, aos 26 anos, uma pop emocional, lenta e muito trabalhada, com volteios surpreendentes, numa produção que recorria à eletrónica com contenção e bom gosto. Parecia só ser possível na esteira da música de James Blake, fazia pensar nos The XX mas, ao mesmo tempo, anunciava algo novo, um caminho a seguir. Na verdade, o álbum de estreia de FKA Twigs conseguia o mais difícil para qualquer novo artista: afirmar um estilo próprio, inventar um lugar.
Tudo isso é apurado neste regresso, prova superada no sempre difícil desafio do segundo disco, depois de uma estreia marcante (para piorar, pelo meio teve complicações de saúde e o relacionamento com o ator norte-americano Robert Pattinson, que terminou em 2017, colocou-a no centro das atenções da imprensa cor-de-rosa).
Com produção cuidada de Nicolas Jaar, Skrillex e Benny Blanco, Magdalena soa, quase sempre, a uma espécie de Kate Bush 2.0, pelo registo vocal e mesmo pelo estilo de interpretação. Pode ser visto, de algum modo, como um disco conceptual já que a Magdalena do título remete para uma reflexão sobre uma das figuras bíblicas mais controversas e ambíguas: Maria Madalena. “Mary Magdalene/ creature of desire/ come just a little bit closer/ ‘till we collide”, canta, com a sua voz de soprano. Ao segundo disco, FKA Twigs afirma-se como um dos nomes mais fortes, originais e consistentes da nova pop britânica (logo, global).
5. “Blume”, dos Nérija
Não é novidade, para os ouvidos mais atentos, o renascimento do jazz britânico pela mão de uma nova geração de músicos que, sem preconceitos nem elitismos, tem sabido alargar públicos e fronteiras. O primeiro grande passo desta ascensão em direção ao mainstream foi dado pela compilação We Out Here, lançada no início do ano passado pelo guru Gilles Peterson, que deu a conhecer nomes como KOKOROKO, Nubya Garcia ou Ezra Collective.
Desde então, entre discos, colaborações e muitos concertos, mais passos foram dados, mas poucos foram tão firmes como o disco de estreia dos Nérija, combo sem líder, em que cada um dos elementos do septeto se assume como frontman, tanto ao nível do virtuosismo como da composição. Os Nérija são Nubya Garcia (saxofone tenor), Sheila Maurice-Grey (trompete), Cassie Kinoshi (saxofone alto), Rosie Turton (trombone), Shirley Tetteh (guitarra), Lizy Exell (bateria) e Rio Kai (baixo, o único homem do coletivo); neles se condensa grande parte da nova cena jazz londrina, pois todos participam noutros projetos. Deram-se a conhecer há três anos, com um EP homónimo, mas agora é pela porta grande da Domino Records (casa dos Arctic Monkeys, Anna Calvi, Cat Power ou Hot Chip) que editam Blume, disco composto por dez temas instrumentais, em que estilos como jazz, rock ou hip-hop coabitam em perfeita harmonia, como perfeitas canções pop sem letra. Liberdade criativa acima de tudo. M.J.
6. The Gambler Song Mazgani
Já com uma vasta discografia, iniciada há 13 anos com o álbum Songs of the New Heart, o músico e cantor luso-iraniano revelou-se um dos mais talentosos escritores de canções da música portuguesa deste século, cumprindo o vaticínio feito em 2005 pela revista francesa Les Inrockuptibles, que incluiu Mazgani na lista dos melhores projetos musicais da Europa. Esse estatuto comprova-se, mais uma vez, no novo disco, The Gambler Song, um registo mais comedido em termos musicais, mas com a mesma dimensão lírica que desde sempre marcou as suas canções, cujo tema central continua a ser o amor, nas suas mais diversas facetas. Incluindo aquele caminho que pode conduzir ao desamor, esse outro sentimento tão bem cantado por Shahryar Mazgani, que aos 45 anos revela toda essa inquietação numa música cada vez mais desacelerada, mas nem por isso menos urgente. M.J.