Jorge Amado (1912-2001) fez das mulheres e dos homens, de diferentes gerações e de todo o mundo, a sua navegação de cabotagem. Ele mareava derrubando fronteiras políticas, culturais e sociais, sempre com terra à vista. O seu chão era do tamanho da extensão e das profundezas da Bahia natal. Do homem moldado pela miscigenação, por deuses viajados nos navios negreiros, cenários da escravatura do cacau, poéticas da resistência e do quotidiano, se fez literatura. Nela o Brasil se viu ao espelho. Nela cabem o imaginário e os olhares de geografias tão díspares.
Jornalista e historiadora, Joselia Aguiar fez também a sua cabotagem: sete anos de investigação, aportando perto ou longe, para contar as vidas que cabem na vida de Jorge Amado. Quase 700 páginas convocam putas, diplomatas e poetas populares, orixás e santos com pés de barro, políticos, intelectuais, amigos e facínoras de várias espécies (por vezes acumulando) e até a chuva de cravos que conquistou Zélia. Há Portugal dentro: proibições pidescas, amizades a cadeado e bacalhau pelo correio (só faltam as histórias do Natário, de Viana do Castelo, ou as que Mário Assis Ferreira poderia contar). Envolvidos em trabalho árduo, ideais, tertúlias e “preguiça baiana” desfilam Neruda, Saramago, regimes, encantamentos e desilusões resumidos em poucas palavras. “Socialismo sem democracia é ditadura e nenhuma presta, nem de direita nem de esquerda, é a mesma merda.” Palavras de Jorge, amado e ainda menorizado por académicos, sempre com o povo, mas nunca no meio do povo.
No velório, 15 mil pessoas despediram-se do escritor que refletira parte da história dessas gentes em mais de 40 obras, 49 idiomas e 80 milhões de livros vendidos. Entre plantas na Casa do Rio Vermelho (Salvador) repousam as cinzas, mas sobram páginas inacabadas. Jorge Amado “é uma área de investigação interminável, que ainda deve ser explorada em muitos campos”, resumiu a autora desta biografia. Se há vidas que nunca se acabam, este livro é caminho.