
Paul Bowles, o escritor norte-americano falecido em 1999, viveu em Marrocos durante mais de 50 anos
Quando o romance Let It Come Down foi originalmente editado, em 1952, a vida de Paul Bowles, antes um compositor reconhecido que criara partituras para George Balanchine, Elia Kazan e Tennessee Williams, era já a do expatriado integrado em Marrocos: morador numa “pensión” delapidada, figura familiar tanto nos bas-fonds como nos circuitos do jet set ocidental, autor do best-seller de estreia O Céu Que Nos Protege, boémio e bissexual, com um casamento aberto.

Deixa a Chuva Cair (reedição Quetzal, 360 págs., €18,80)
Divulgacao
Desembarcara em 1947, em Tânger, quando a ressaca do pós-guerra transfigurara a cidade numa dita Zona Internacional espartilhada entre potências ocidentais e num refúgio tantalizador, para quem desejava evadir-se aos bons e burgueses costumes − e fumar uns cigarros de kif (haxixe). O crítico Robert Gorham Davis escreveria, nas páginas do The New York Times, que Deixa a Chuva Cair era uma corrida para a perdição, descrita com a “clareza de pesadelo” e o “exotismo alucinatório” dos melhores contos do autor. Era, sobretudo, um retrato tangerino da vida sensorial também vivida por Paul Bowles, e um reflexo dos efeitos secundários de se ser estrangeiro − num país diferente, numa sociedade opaca aos estrangeiros, nos paraísos artificiais, na própria pele. De se ser arrastado pela chuva.
Tal como o seu autor, o protagonista Nelson Dyar desce a prancha de embarque do ferry para o cais da colorida Tânger, sem saber que a sua vida será irreversivelmente selada. Prisioneiro de letargia existencial, funcionário discreto e desesperançado, jovem sem leituras feitas nem currículo emocional, ele é presa fácil da vertigem e dos fascínios da cidade: personagens dúbias, perversidades e relações de poder, delírios causados por kif, tudo é tragicomédia de (des)enganos, uma borrasca a tombar na casbá e nas alcovas, que faz Dyar soçobrar.
Em 1998, Jennifer Baichwal filmou Let It Come Down: The Life of Paul Bowles, documentário em que o autor é entrevistado na sua casa em Tânger e onde reencontra amigos como William S. Burroughs e Allen Ginsberg. A inspiração para o título era este romance agora reeditado em Portugal