Basta conhecer a carreira, que já vai longa, de Camané para antecipar que, numa homenagem a Alfredo Marceneiro − figura cada vez mais mítica do fado lisboeta − o fadista, aos 50 anos, não cairia no erro de tentar emular o seu estilo e forma de cantar. Este é um disco habitado, do princípio ao fim, pelo espírito de Marceneiro mas é, sobretudo, o oitavo disco de estúdio de alguém que já há muito conquistou um lugar nas mais destacadas páginas de qualquer história do fado.
“Queria entrar naqueles fados de forma verdadeira, sem imitar o Marceneiro”, diz Camané na apresentação do disco. “Mas tive primeiro de fazer o meu caminho. De criar o meu repertório. Só agora chegou o momento em que me consigo identificar tanto com os sentimentos vividos, como com os acontecimentos passados”, acrescenta.
A temática é, naturalmente, a mais datada de todos os discos de Camané (que sempre soube dar contemporaneidade ao género cantando palavras de hoje). Há alguma ingenuidade, aquele imaginário das pequenas e desgraçadas tragédias, um país provinciano, dividido entre a ruralidade pobre e a cidade… Mas não se pode falar, propriamente, numa atitude arqueológica, porque todo o repertório de Marceneiro é sinónimo de fado e, como sabemos, o fado, praticamente todo o fado, vive nos nossos tempos um dos seus grandes momentos (tanto em termos de intérpretes como de público).
Mantém-se aquela presença que, na sombra, tem sido um garante da solidez, inteligência e qualidade da carreira de Camané: José Mário Branco na produção, arranjos e direção musical e Manuela de Freitas. Mas há aqui uma novidade. Pela primeira vez num disco de Camané, ouve-se um dueto. A oitava faixa, A Lucinda Camareira, é nada menos do que um encontro de gigantes: o incomparável Carlos do Carmo (em grande forma, diga-se) e o incomparável Camané.
Ouça aqui A Casa da Mariquinhas, tema de apresentação do álbum Camané Canta Marceneiro