Podemos maldizer o outono, por nos roubar o verão. Mas quando entra a época das exclusivas trufas brancas de Alba, no início de novembro, esquecemos de imediato os dias de praia e de pé ao léu que ficaram para trás, para nos focarmos no aroma peculiar provocado pelo lascar do fungo, que muitos associam a gás, mas que aqui preferimos reenviar para aquela zona do cérebro que guarda as memórias inesquecíveis.
E é por isso que aqui estamos, num dos 150 lugares do Rocco, restaurante que também serve de apoio gastronómico ao hotel Ivens, em pleno Chiado. Desde o início do mês – e prevê-se que até chegar dezembro –, a ementa ganhou uma folha adicional para apresentar seis pratos, três de caça e três que se rematam com um grama de trufa branca. A peça vem à mesa num carrinho e guardada sob uma campânula – o empregado, de luva branca e pinça em riste, faz a meticulosa pesagem à nossa frente.
Se o quilo deste fungo, que só se encontra e desenterra com a ajuda de cães pisteiros, sobretudo em certas zonas de Itália, ultrapassa os quatro mil euros, é natural que nos cobrem 14 euros por cada grama adicional desta relíquia que só aparece um mês por ano. Aproveitemo-la bem, portanto.
No Rocco, podemos começar por uns ovos de codorniz com espargos verdes e cogumelos selvagens (€34), seguir por um risotto de pato com escalope de foie (€40) ou preferir um tagliatelle com três tipos de cogumelos (os puristas dizem que é com massa e ovos que as trufas brancas vão melhor).

Esta receita, idealizada pelo chefe Ricardo Bolas, vem em cima de uma enorme rodela de queijo pecorino, com uma gema de ovo e salsa picada. Depois de, com delicadeza, ser tudo mexido à nossa frente, é que lhe adicionam as lascas de trufa, com a ajuda da mandolina – mise en scène necessária para preparar o momento alto da refeição.
Tudo isto vai para outra divisão se o sommelier David Rosa entrar ao serviço para casar estes pratos o melhor que sabe, recorrendo à garrafeira de 400 referências que se pode avistar (e com sorte até visitar) numa ida à instagramável casa de banho, no andar de baixo.
Come trufa
O amor que o chefe Tanka Sapkota – nepalês radicado em Portugal há quase três décadas, e dono de um tríade de restaurantes italianos que são do melhor que a capital tem para oferecer – nutre pela trufa branca de Alba é quase um amor maior. Foi há 17 anos que, pela primeira vez, a importou de Itália para ralar as suas lascas preciosamente aromáticas para cima de ovos ou massas, preferencialmente.
A sua experiência, nos idos 2007, foi um sucesso imediato e, desde então, Tanka nunca mais parou de abrir a época, sempre em novembro, mais dia, menos dia, com pompa e circunstância. Atualmente, são os clientes que o instigam a não desistir, começando a telefonar-lhe assim que abre a caça, porque sabem dos seus contactos privilegiados com quem a apanha, mesmo que o quilo, lá está, chegue aos cinco mil euros: “Quando podemos ir ao Come Prima deliciar-nos com trufa?” Os pratos servidos, pedidos à carta, rondam, em média, os 50 euros e podem ser encomendados até 30 de novembro, assim haja uma aberta na agenda esgotada.
Em 2018, fruto deste seu trabalho intensivo, continuo e ainda antes de ser uma moda, Tanka Sapkota foi distinguido com o título de “Cavaleiro das Trufas Brancas de Alba”, pela Ordem dos Cavaleiros do Tartufo de Alba, sendo o único em Portugal a deter este título.
É sempre com gosto que entramos no Come Prima, na Lapa, para o almoço com que o chefe presenteia os jornalistas, uma espécie de preview do que vai servir durante a época. Desta vez, a simplicidade atingiu o climax, mostrando, através do sabor que guardamos no palato, que quando falamos de trufa, menos é mais. Não nos espantamos por isso de ver um prato em que descansa apenas um ovo, biológico, cozido no ponto, à temperatura de 64 graus. É a ele que o próprio Tanka há de acrescentar o ingrediente mágico, uma lasca de cada vez, com muito carinho e generosidade. A mistura, só isto, ovo e trufas, é divinal (€44,90).
Quando chegam os tajarin enrolados a preceito, perguntamos o que levam desta vez. “Só manteiga dos Açores”, revela o chefe. A massa, al dente, há cobrir-se de laminas acastanhadas, contaminando o ambiente com aquele aroma tão característico que se torna inebriante (€51,90) – não a deixemos arrefecer que perde metade da graça.
Tanka agarra a grande taça em que posam os pedaços que encomendou da zona de Piemonte, no Norte de Itália, e faz cara sorridente para as câmaras, exclamando, com o sotaque que faz questão de não perder: “Magnífico! Há coisas maravilhosas na terra e no Come Prima.” É verdade.

Durante estes 10 dias, as três salas do restaurante enchem-se de pessoas que nutrem a mesma paixão por este fungo especial. Além da entrada e do primeiro prato que provámos, ainda poderão optar por uma vitela holandesa – “a carne mais tenra que alguma vez provaram” – acompanhada de creme de castanha e batata-doce (€65,90). Juramos que a textura corresponde ao anúncio do chefe e sabemos que ele anda à procura de equivalente nacional. Apesar de não ter sido possível provar todos os pratos disponíveis na ementa, deixamos aqui a informação de que há três antipasti, dois primi piatti e também dois socondo piatti.
Como se trata de um festival, até a sobremesa é rematada com trufa. E fica mesmo bem em cima do zabaione com creme de castanhas e ricotta de cabra (€39,95), em jeito de grand finale. Agora, o melhor é nem falarmos por uns tempos, não vá este gostinho bom sair-nos da boca… Só para o ano é que há mais!
Rocco > R. Ivens, 14, Lisboa > T. 21 054 3168 > seg-dom 8h-1h > Come Prima > R. do Olival, 258, Lisboa > T. 21 390 2457 > seg-sáb 18h-23h
Elas andam aí
Em Lisboa, alguns restaurantes reforçam as suas ementas com doses de trufa branca de Alba
Salotto Divino
Há ovos com flocos de trufa, queijo piemontês derretido no forno, tagliatelle envolto em manteiga e sálvia ou filet de carne com creme de cogumelos. Ainda se pode adicionar trufa branca a qualquer prato da ementa (€8/grama). R. Nova da Piedade, 95 > T. 21 808 7159 > seg-sáb 12h30-15h30, 18h-24h
Eleven
Durante este mês, o chefe Joachim Koerper preparou um Business Lunch só de trufa branca, com o preço fixo de €75 e é composto por entrada, prato principal e sobremesas. Rua Marquês Fronteira, Jardim Amália Rodrigues, Lisboa > T. 21 386 2211 > seg-sáb 12h30-15h
Fiammetta
No outono, este italiano de referência serve um prato de massa fresca para fazer brilhar a trufa branca. R. Almeida e Sousa, 20A > T. 96 202 6826 > seg-sáb 11h-23h, dom 11h-16h
Allora
Até 1 de dezembro haverá trufas brancas neste restaurante instalado no piso térreo do EPIC SANA Marquês. No menu Trufflicious oferecem-se dois pratos que estão disponíveis ao almoço e ao jantar. EPIC SANA Marquês, Av. Fontes Pereira de Melo, 8 C > T. 21 006 4314 > seg-dom 12h30-01h
Varanda
Enquanto houver trufa, ela vai estar disponível no restaurante do Ritz, ao jantar, das entradas às sobremesas, com um total de sete opções. Ritz Four Seasons Hotel, R. Rodrigo da Fonseca, 88 > T. 21 381 1400 > seg-dom 19h-22h
JNcQUOI Avenida
Os quatro pratos do menu especial trufa levam cinco gramas do fungo. Por cada um a mais, paga-se dez euros. Av. da Liberdade, 182-184 > T. 21 051 3000 > dom-qua 12h-24h, qui-sáb 12h-2h
Sala de Corte
Enquanto durar a época da trufa branca, ela estará disponível como add-on para qualquer um dos pratos do menu da afamada steakhouse lisboeta. Pç. D. Luís I, 7 > T. 21 346 0030 > seg-sex 12h-16h, 19h-24h, sáb 12h-01h, dom 12h-24h
1743 – Palácio Fonte Nova
Até meados de dezembro – ou até a trufa deixar – será sempre possível pedir o Menu Trufa (€280), pensado por Joachim Koerper e a sua mulher Cíntia, com diversos pratos em que a presença do fungo é indispensável. R. Álvaro Augusto Rodrigues Vilela, Rio de Mouro > T. 92 793 2859 > ter-sáb 12h30-14h30, 19h00-22h30, dom 12h30-14h30
