A comida traz-nos sentimentos, não se cansa de repetir Lídia Brás, 40 anos, a quem se senta à mesa do restaurante que a chefe de cozinha partilha com o marido, Fernando Araújo, em Vila Nova de Gaia. Prefere, por isso, chamar-lhe “comida de reconforto”: “A cozinha tradicional é aquela que nos faz recuar no tempo, que nos lembra a sopa da avó ou o cabrito feito pela mãe”, conta-nos numa das duas salas com paredes de pedra, decoradas com gaitas de foles, alforges, máscaras de Podence, molhos secos de carqueja e loiça, a remeter para uma antiga casa de campo de Trás-os-Montes.
Desde que abriu o Stramuntana (significa transmontana, em mirandês), em 2020, que esta cozinheira, com a infância passada em Sendim, Miranda do Douro, tem transformado o seu restaurante num representante da gastronomia, cultura e língua transmontanas.
A carta – o nome de cada prato tem a tradução para mirandês – é disso exemplo. Pão de trigo de Carviçais, cuscos de Vinhais com pato (€22), javali no pote (€24), bucho estufado com grão-de-bico (€3), que “aproveita as partes menos nobres do animal, como se fazia antigamente”, ou, por encomenda, o arroz de cabidela e o butelo com casulas, premiado em vários concursos.

Nas brasas da lareira são grelhadas as carnes – o cordeiro (€26), o porco bísaro ou o rodião de vitela mirandesa, que acompanham com migas, arrozes malandrinhos ou grelos com azeite e alho. Nas sobremesas, o pudim de grelos (€3,50) tem conquistado adeptos fiéis. Tal como o pudim de chouriço bísaro, “um primo transmontano do Abade de Priscos”, ri-se a chefe de cozinha, que está entre os cerca de 3 500 portugueses a saber falar o mirandês.
Trabalhar o receituário transmontano da forma mais tradicional possível continua a ser o objetivo de Lídia Brás desde que deixou para trás uma formação em Artes. Perdeu-se uma artista, ganhou-se uma cozinheira de mão-cheia.

Stramuntana > R. Soares dos Reis, 903, Vila Nova de Gaia > T. 93 487 9228 > seg-dom 12h-14h30, 19h-21h30